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Doses de Azospirillum no milho de verão e safrinha

A incorporação de bactérias do gênero Azospirillum no manejo do milho tem ganhado destaque, devido aos benefícios que traz à cultura, como a fixação biológica de nitrogênio (FBN) e o aumento do sistema radicular. Essas bactérias diazotróficas associam-se às raízes do milho e conseguem converter nitrogênio do ar em formas assimiláveis, além de produzir fitormônios (ex.: auxinas, giberelinas) que estimulam o crescimento vegetal. Com um sistema radicular mais robusto, a planta absorve água e nutrientes de forma mais eficiente, tornando-se mais resistente a estresses hídricos. Tais efeitos são especialmente benéficos no milho “safrinha”, cultivado no outono/inverno, que frequentemente enfrenta déficit hídrico e menor fertilidade do solo.

No Brasil, aproximadamente 21 milhões de hectares de milho foram cultivados somando 1ª e 2ª safra em 2021/2022, gerando 112 milhões de toneladas de grãos. Esse volume impressionante vem acompanhado de alto consumo de fertilizantes nitrogenados, insumos caros e em grande parte importados. Nesse contexto, o uso de inoculantes de Azospirillum brasilense desponta como tecnologia para reduzir custos e manter a produtividade. Nos últimos dez anos, o Brasil testemunhou um aumento significativo na adoção do Azospirillum na agricultura, com resultados consistentes em campo. Produtores, técnicos e pesquisadores buscam informações sobre quantas doses e como utilizar Azospirillum no milho de forma eficaz, tanto na safra de verão quanto na safrinha. A seguir, reunimos evidências científicas recentes sobre doses ideais, formulações, número de aplicações, época de aplicação e ganhos de produtividade obtidos.

Dose recomendada e formas de aplicação do Azospirillum

A forma mais comum de aplicação do Azospirillum no milho é a inoculação das sementes no momento da semeadura. A recomendação usual dos fabricantes é aplicar cerca de 100 mL de inoculante por hectare, misturando o produto às sementes instantes antes de semear. Essa dosagem padrão – utilizada, por exemplo, no inoculante comercial Masterfix® ou Azototal® – equivale a tratar aproximadamente 60.000 sementes de milho com 100 mL, garantindo uma população bacteriana mínima de 10^8 unidades formadoras de colônia por mL. De fato, a legislação brasileira exige que inoculantes à base de Azospirillum tenham concentração mínima de 10^8 células viáveis por grama ou mL. No mercado, predominam produtos contendo as estirpes Ab-V5 e Ab-V6 de Azospirillum brasilense, desenvolvidas pela Embrapa, já adaptadas para alto desempenho em gramíneas.

Cuidados na inoculação: Deve-se garantir distribuição homogênea do inoculante em todas as sementes e evitar exposições a temperaturas elevadas ou luz solar direta, que possam inviabilizar as bactériasaegro.com.braegro.com.br. Quando as sementes estiverem tratadas com fungicidas/inseticidas, o inoculante deve ser aplicado por último, pouco antes do plantio, para minimizar exposição prolongada aos químicos. Após o tratamento, recomenda-se semear imediatamente ou em até 24 horas.

Formulações comerciais: O Azospirillum é disponibilizado principalmente em formulação líquida (ex.: suspensões concentradas) ou sólida turfosa. Estudos indicam que ambas as formulações podem ser eficazes. Por exemplo, Nakatani et al. (2024) constataram desempenho equivalente entre inoculantes líquidos e turfosos à base de A. brasilense em milho, desde que aplicados na mesma dose e condições, com ambos resultando em efeitos agronômicos similares. A escolha, portanto, pode considerar praticidade de aplicação e custo, assegurando sempre o uso dentro do prazo de validade e o armazenamento correto do produto (local fresco e ventilado) para manter a viabilidade das bactérias.

Modos de aplicação alternativos: Além do tratamento de sementes, outras formas de aplicação incluem a injeção de inoculante no sulco de plantio (junto com adubo líquido, por exemplo) e as pulverizações foliares durante o desenvolvimento da cultura. A inoculação no sulco, logo abaixo ou ao lado da semente, visa posicionar as bactérias próximas às raízes iniciais, similar à técnica nas sementes. Já a aplicação foliar busca introduzir bactérias via superfície das folhas, embora a colonização efetiva dependa de parte das bactérias alcançarem a rizosfera (por escorrimento ao solo ou translocação). Em geral, inocular na semente ou sulco de plantio é mais eficiente para garantir o contato direto do Azospirillum com as raízes do milho nos estágios iniciais. A aplicação foliar tem sido estudada como complemento, e será discutida adiante quanto ao número de aplicações e doses.

Comparação de doses: qual a quantidade ideal de Azospirillum?

Uma dúvida comum é se doses maiores de inoculante geram respostas melhores em produtividade do milho. Diversos trabalhos científicos testaram doses crescentes de Azospirillum para determinar a faixa ótima. De forma geral, os melhores resultados ocorrem com doses moderadas, próximas ou ligeiramente acima da recomendada, enquanto doses muito altas podem não trazer ganho adicional ou até prejudicar o desempenho.

Experimento 1 (Costa et al., 2023): pesquisadores avaliaram seis doses de Azospirillum (0; 0,2; 0,4; 0,6; 0,8; 1,0 mL por parcela) na inoculação de sementes de um híbrido de milho 1ª safra em Minas Gerais. A Tabela 1 resume os resultados de produtividade de grãos:

Dose de inoculante (mL/parcela)Produtividade (kg/ha)¹
0,0 (controle)7.712 b
0,27.712 b
0,48.036 c
0,6 (ótima)9.564 d
0,87.804 b
1,0 (excessiva)6.752 a

¹ Letras diferentes indicam diferença estatística (Teste Scott-Knott, p<0,05). Fonte: Costa et al. (2023).

Observa-se que a dose intermediária de 0,6 mL/parcela obteve a maior produtividade (9.564 kg/ha), superando em ~24% a testemunha sem inoculação. Doses menores (0,2–0,4 mL) não diferiram do controle, indicando que quantidade insuficiente de inoculante pode não gerar resposta. Curiosamente, a dose mais alta (1,0 mL) resultou na menor produtividade, até 13% abaixo do controle. Isso sugere que o “excesso” de inoculante não traz benefício e pode até ter efeito adverso, possivelmente por competição microbiana ou alguma fitotoxidez (hipótese a ser investigada). O destaque desse estudo é a existência de uma dose ótima em torno de 0,5–0,6 mL (neste caso, ~6 vezes a dose padrão por parcela experimental) para maximizar o ganho.

Experimento 2 (Bueno et al., 2025): em um estudo com milho safrinha no sul de Minas Gerais, testou-se a aplicação foliar de Azospirillum em diferentes doses totalizantes de 0 a 25 L/ha, fracionadas em três épocas (30, 45 e 60 dias após a semeadura). Os sete tratamentos foram: 0 (sem Azospirillum), 1, 5, 10, 15, 20 e 25 L/ha, aplicados de forma parcelada durante o ciclo. Os resultados mostraram que as aplicações parceladas de 5, 10 e 15 L/ha melhoraram significativamente o desenvolvimento vegetativo (altura de plantas, diâmetro de colmo, área foliar) em relação ao controle. Quanto à produtividade de grãos, a dose total de 15 L/ha foi a que apresentou o melhor desempenho. Doses superiores (20 e 25 L) não aumentaram a produtividade além do nível obtido com 15 L – evidenciando novamente um platô ótimo. Nesse experimento, a estratégia de três aplicações foliares de 5 L/ha cada proporcionou o maior rendimento. Isso indica que, para a safrinha, a inoculação pode ser potencializada com mais de uma aplicação durante o ciclo, ao contrário da safra de verão onde usualmente se aplica apenas na semente. É válido frisar que 15 L/ha refere-se ao volume de produto comercial diluído – nos ensaios, utilizou-se inoculante líquido – e não à concentração celular (que obedecia ao padrão de 10^8 UFC/mL). Portanto, trata-se de um regime de aplicação intensificado, viável em contexto experimental; na prática, o custo-benefício de múltiplas aplicações deve ser ponderado.

Em suma, doses moderadas a altas (dentro de certos limites) tendem a gerar os maiores ganhos. Já doses muito baixas podem não suprir bactérias suficientes, e doses excessivas podem ser contraproducentes. Cada produto comercial fornece orientação de dose (geralmente alinhada aos ~100 mL/ha na semente). Algumas recomendações técnicas mencionam que duplicar a dose em condições muito adversas pode auxiliar a colonização, mas os resultados variam. A Tabela 2 compila resultados de diferentes estudos, destacando o efeito da dose de Azospirillum na produtividade:

Estudo (local, ano)Doses testadas de AzospirillumMelhor tratamento (resposta)
Costa et al. 2023 (MG, 1ª safra)0 a 1,0 mL/parcela via semente0,6 mL – +24% em kg/ha vs. controle
Bueno et al. 2025 (MG, safrinha)0 a 25 L/ha via foliar (3 aplicações)15 L/ha – melhor produtividade (doses maiores não aumentam)
Sangoi et al. 2015 (SC, 1ª safra)Azospirillum (semente) vs. não, com N variávelSem diferença significativa no rendimento (alto N)
Cavallet et al. 2000 (PR, 1ª safra)Azospirillum (semente) vs. não, com N reduzido+17% rendimento com Azospirillum
Hungria et al. 2010 (multi-loc Brasil)Azospirillum (Ab-V5/Ab-V6) vs. não, manejo típico+9% rendimento médio com Azospirillum

Tabela 2: Comparação de resultados de produtividade do milho com diferentes doses/esquemas de Azospirillum. Ganhos expressos em relação ao tratamento controle sem inoculação. Fontes: artigos citados nos colchetes.

Dos estudos listados, nota-se que os maiores ganhos absolutos de produtividade ocorrem quando o Azospirillum é usado para suprir parte do nitrogênio, ou em condições subótimas de fertilidade. Por exemplo, Cavallet et al. reportaram aumento de 17% no rendimento utilizando Azospirillum em situação de adubação nitrogenada reduzida. Já Sangoi et al. (2015), testando Azospirillum sob adubação nitrogenada plena (até 1,5 vez a recomendação, visando 18 t/ha), não observaram melhora significativa no rendimento com a inoculação. Esse contraste indica que o efeito benéfico do Azospirillum é mais pronunciado quando há deficiência ou redução de N, ao passo que em níveis muito altos de N o impacto adicional tende a ser nulo. De fato, Roesch et al. (2006) verificaram que altas doses de N inibem a colonização de bactérias diazotróficas nas raízes de milho, pois a planta bem suprida de N reduz sua associação com essas bactérias. Em outras palavras, o milho “se acomoda” com o fertilizante e aproveita menos a fixação biológica.

Época e número de aplicações: semente x foliar, safra x safrinha

A época de aplicação do Azospirillum pode influenciar sua eficácia. Na safra de verão, a prática consolidada é uma única aplicação no tratamento de sementes, antes da semeadura. Isso é normalmente suficiente para colonizar as raízes precoces e gerar os efeitos esperados. Na safrinha, alguns pesquisadores investigam aplicações complementares via foliar durante o ciclo, justificando que a segunda safra costuma enfrentar mais estresses (frio, seca) e a população de Azospirillum pode se beneficiar de reforços.

Como vimos no experimento de Bueno et al. (2025), três aplicações foliares escalonadas (V4, V6 e pré-pendoamento) trouxeram ganhos no milho safrinha, com dose total de 15 L/ha. Isso sugere que fracionar a dose ao longo dos estádios vegetativos pode manter uma população ativa de bactérias por mais tempo na rizosfera. Contudo, é importante notar que nem todos os trabalhos encontraram vantagens em aplicações foliares isoladas. Em um estudo de safrinha verde (milho colhido antes da maturação), a pulverização de Azospirillum não afetou significativamente características como altura de plantas ou número de folhas. Já uma pesquisa apresentada por A. R. Teixeira (2012) mencionada por Sangoi et al. indicou aumento de produtividade com Azospirillum foliar aliado à adubação N de cobertura, embora esses dados sejam de congresso e variem conforme as condições.

Em síntese, a recomendação prática atual para milho de verão é inocular todas as sementes na dose comercial recomendada (uma dose) no momento da semeadura. Para o milho safrinha, essa mesma inoculação nas sementes é igualmente recomendada; adicionalmente, pode-se considerar uma aplicação foliar no estágio de 4 a 6 folhas (V4–V6) como reforço. Aplicações foliares múltiplas (2 a 3 vezes durante o desenvolvimento) vêm mostrando potencial de ganho, mas devem ser avaliadas caso a caso. É crucial respeitar as instruções do fabricante quanto à compatibilidade do inoculante com eventuais defensivos na calda de pulverização – por exemplo, evitar misturas com cobre ou cloro ativo que possam matar as bactérias.

Ganhos de produtividade e eficiência nitrogenada

O principal objetivo do uso de Azospirillum é aumentar a produtividade do milho de forma sustentável, reduzindo a dependência de fertilizante nitrogenado químico. Os resultados científicos variam em magnitude de resposta, mas vários trabalhos relatam ganhos significativos:

  • Ganhos médios de 5–15% na produtividade de grãos são comuns na literatura, dependendo do ambiente. Por exemplo, Hungria et al. (2010) observaram aumento médio de ~9% na produtividade de milho inoculado em vários locais do Brasil, enquanto em um dos primeiros estudos no Paraná (Cavallet et al., 2000) o ganho chegou a 17%.
  • Melhor aproveitamento do nitrogênio: Em Santa Catarina, Sangoi et al. notaram que, em manejo médio (adubação intermediária), o milho inoculado com Azospirillum respondeu linearmente às doses de N, ao passo que o não inoculado praticamente não aumentou a produção com a adubação. Isso sugere que a bactéria promove uma maior eficiência de uso do N pela planta. Corroborando isso, testes de eficiência agronômica mostram que, em alguns cenários, a inoculação elevou a produção por unidade de N aplicado em comparação ao controle sem inoculação.
  • Substituição parcial de adubação: Talvez o resultado mais impressionante seja a possibilidade de reduzir a adubação nitrogenada de cobertura em cerca de 20–30% sem perda de rendimento, graças à FBN do Azospirillum. Nakatani et al. (2024) demonstraram que, em quatro localidades, tratamentos com 75% da dose de N recomendada + Azospirillum (líquido ou turfoso) alcançaram produtividades estatisticamente equivalentes às do tratamento com 100% do N (sem Azosp.). Em todos os sítios, o milho inoculado com dose reduzida de N rendeu igual ao milho com adubação completa sem inoculação, superando claramente o controle absoluto (sem N e sem Azospirillum. Esse achado indica que o Azospirillum pode suprir aproximadamente 25% do N mineral demandado pela cultura sem queda de produtividade, representando economia de fertilizante e menor impacto ambiental.

Apesar desses resultados promissores, é importante destacar que os efeitos do Azospirillum podem ser inconsistentes conforme as condições. Bartchechen et al. (2010) já apontavam que os resultados variam de acordo com a cultivar de milho, as condições edafoclimáticas e a metodologia de condução dos ensaios. De fato, diversos estudos de campo não encontraram benefícios significativos em determinadas situações (como vimos, especialmente quando o N não é fator limitante). Por outro lado, quando há estresses moderados ou manejo subótimo, a inoculação tende a emergir como vantajosa. Essa variação reforça a necessidade de compreender o contexto da lavoura ao recomendar o uso do Azospirillum.

Conclusão e recomendações finais

Com base nas evidências atuais, pode-se recomendar o uso de pelo menos uma dose de Azospirillum na cultura do milho, realizando a inoculação das sementes na semeadura com a dose recomendada pelo fabricante (em geral ~100 mL/ha, contendo ≥10^8 células/mL). Essa prática apresenta baixo custo e pode promover ganhos de produtividade da ordem de 5 a 20%, além de possibilitar a redução da adubação nitrogenada de cobertura em cerca de 20% sem prejuízo na produção.

Para o milho de 1ª safra (verão), a inoculação das sementes costuma ser suficiente. No milho safrinha, onde as condições frequentemente são mais desafiadoras, a adoção de um reforço via pulverização foliar no início do desenvolvimento (V4–V6) pode ampliar os benefícios, conforme sugerido por pesquisas recentes. Alguns produtores já vêm testando aplicações foliares adicionais; entretanto, deve-se evitar exageros de dose ou aplicações muito tardias (próximas ao florescimento), que tendem a ter retorno diminuto.

É fundamental entender que a **inoculação com Azospirillum não substitui completamente a adubação nitrogenada, e sim a complementa. A bactéria supre apenas parte das necessidades de N da planta, permitindo uma redução estratégica na adubação de cobertura, mas não eliminando a necessidade de fertilizante para atingir altas produtividades. Assim, a estratégia mais eficaz, respaldada pelos estudos, é a combinação da inoculação com um manejo inteligente de adubação nitrogenada. Em outras palavras: utilize o Azospirillum para melhorar a eficiência e a sustentabilidade, mas continue fornecendo N mineral em quantidades ajustadas à meta de produtividade da lavoura.

Em conclusão, as melhores práticas para usar o Azospirillum no milho – tanto na safra de verão quanto na safrinha – são: usar inoculante de qualidade na dose correta nas sementes, observar os cuidados de aplicação, e considerar aplicações extras (via sulco ou foliar) apenas se as condições justificarem (por exemplo, em safrinha ou para economizar adubo). Os resultados científicos apontam ganhos sólidos quando essa tecnologia é bem empregada, especialmente em contextos de menor disponibilidade de N. Portanto, com base nas evidências, recomenda-se inocular o milho com Azospirillum como uma ferramenta tecnológica viável, de baixo custo e alto retorno, integrando-se às boas práticas agrícolas para elevar a produtividade de forma sustentável.

Referências Bibliográficas: Estudos científicos utilizados como base incluem Costa et al. (2023), Sangoi et al. (2015), Quadros et al. (2014), Nakatani et al. (2024), Bueno et al. (2025), entre outros, conforme citado ao longo do texto. Cada referência apoiou as informações sobre doses, formulizações e resultados de produtividade mencionadas. Os interessados podem consultar as fontes citadas para detalhes adicionais sobre metodologias e dados estatísticos dos experimentos.

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