Chromobacterium Biocontrole de Alto Nível contra a Cigarrinha
A Crise da Cigarrinha (Dalbulus maidis): Por que o Milho Brasileiro Pede um Novo Manejo
A cultura do milho (Zea mays L.) é fundamental para a economia agrícola brasileira, mas enfrenta desafios crescentes, sendo a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) o principal vetor biológico responsável por limitar a produtividade em vastas regiões. Este inseto sugador, pertencente à ordem Hemiptera e à família Cicadellidae , tem a capacidade de prejudicar a cultura de duas maneiras distintas: pela alimentação direta e, mais criticamente, pela transmissão de fitopatógenos.
O dano primário e mais devastador causado por D. maidis não é a sucção de seiva em si, mas seu papel indispensável como vetor. A cigarrinha adquire fitopatógenos, especificamente molicutes (espiroplasma e fitoplasma), que causam os complexos de doenças conhecidos como enfezamentos (vermelho e pálido). A disseminação dessas doenças bloqueia a circulação da seiva nas plantas, resultando em sintomas visíveis como manchas brancas ou vermelhas e, em situações de alta infestação e suscetibilidade, pode inviabilizar completamente o cultivo do milho.
O desafio econômico imposto pela cigarrinha-do-milho tem se tornado uma questão de séria preocupação em toda a fronteira agrícola do Brasil.A natureza vetorial desta praga introduz uma complexidade no manejo que as estratégias tradicionais de controle químico têm lutado para superar.
O Paradoxo do Controle Químico Exclusivo
Historicamente, o manejo de pragas vetoriais tende a focar na redução populacional agressiva. No entanto, o controle da cigarrinha-do-milho através da superpulverização química em cultivares suscetíveis demonstrou ser ineficaz na redução dos danos à cultura. Observações experimentais e em lavouras comerciais indicaram que, mesmo com um número exagerado de aplicações, o dano permaneceu elevado quando foram semeadas cultivares sensíveis aos enfezamentos.
Essa falha reflete a natureza peculiar da praga vetorial. O objetivo primordial do controle não é apenas a mortalidade do inseto, mas a interrupção da cadeia de transmissão do patógeno. Os inseticidas tradicionais frequentemente oferecem um efeito de choque (ou knockdown) rápido, mas de curta duração. Dada a natureza dos molicutes, que podem ser adquiridos e transmitidos pela cigarrinha em um período relativamente curto, a reinfestação contínua ou a sobrevivência de indivíduos que já carregam o patógeno é suficiente para perpetuar a taxa de inoculação. A persistência dos danos, mesmo com alta pressão de pulverização, comprova que o controle químico isolado falha em fornecer a supressão populacional sustentada e o manejo anti-vetor necessário. Tal evidência reforça que a escolha de cultivares com pelo menos moderada tolerância às doenças é a estratégia mais fundamental para a convivência com o problema.3
Chromobacterium subtsugae: O Agente Biológico e Sua Composição
Diante das limitações do manejo convencional, o controle biológico surge como uma ferramenta essencial e sustentável. Entre os agentes biológicos promissores, a bactéria Chromobacterium subtsugae tem se destacado por seu mecanismo de ação distinto e amplo espectro. Trata-se de um microrganismo entomopatogênico que já é utilizado como inseticida microbiológico no manejo integrado de diversas pragas.
Amplo Espectro e Formulações Comerciais
Chromobacterium subtsugae é reconhecida por sua eficácia contra uma ampla gama de artrópodes-praga. Sua atividade inseticida abrange ácaros fitófagos, lagartas (Lepidoptera), coleópteros, e outros insetos sugadores da ordem Hemiptera, como pulgões, psilídeos, moscas-brancas e tripes. Este espectro de ação sugere um alto potencial de controle contra D. maidis, que também é um Hemiptera.
A bactéria está presente no mercado em diferentes formulações comerciais. Internacionalmente, o produto TEC BUG da Solubio contém a cepa Chromobacterium subtsugae. A disponibilidade de formulações específicas para uso em campos, estufas e casas de vegetação confere aplicabilidade imediata desta ferramenta no manejo fitossanitário do milho.
Diferenciação e Estabilidade no Campo
É crucial entender que C. subtsugae opera de maneira diferente de um inseticida químico de contato. O bioinseticida produzido a partir da fermentação desta bactéria não é um produto de ação imediata ou de “choque”. A mortalidade das pragas agrícolas expostas à bactéria ocorre tipicamente em um período mais estendido, entre 7 e 10 dias após a aplicação. Este tempo de latência exige uma mudança na mentalidade de aplicação, priorizando a supressão populacional e a proteção da planta antes da infestação crítica.
A utilização de formulações bacterianas, como as baseadas em C. subtsugae, apresenta vantagens ambientais significativas, especialmente em ambientes agrícolas tropicais. Embora a cigarrinha-do-milho tenha antagonistas naturais, como fungos entomopatogênicos, a eficácia desses fungos é altamente dependente de condições específicas de temperaturas elevadas e alta umidade relativa do ar. Em contraste, como C. subtsugae é um produto de fermentação bacteriana, seu modo de ação primário, após a ingestão, é bioquímico e estomacal. Embora ensaios de otimização de fermentação busquem as melhores variáveis (como temperatura, NaCl e glicose) para maximizar a produção do bioinseticida, a estabilidade do produto final e seu modo de ação intracelular garantem maior resiliência às flutuações climáticas de campo, oferecendo um controle mais consistente em comparação com os fungos entomopatogênicos dependentes de esporulação e infecção superficial.
Entendendo a Batalha Molecular: O Duplo Mecanismo de Ação de C. subtsugae
A eficácia de amplo espectro de Chromobacterium subtsugae é atribuída a um modo de ação complexo e multifacetado, envolvendo a síntese de múltiplos metabólitos que atuam simultaneamente no organismo do inseto. Esta abordagem de ataque em vários pontos reduz a capacidade da praga de desenvolver resistência rapidamente, uma vantagem crítica sobre os inseticidas químicos de sítio único.
O mecanismo de ação pode ser dividido em três componentes estratégicos, que se complementam no combate à cigarrinha-do-milho:
1. Ação por Ingestão (Veneno Estomacal)
O modo de ação principal contra pragas que se alimentam de folhas, incluindo sugadores que ingerem partículas ou resíduos superficiais, é atuar como veneno estomacal. Ao ser ingerida, a bactéria e seus metabólitos causam disfunções no trato digestivo da cigarrinha, levando à mortalidade lenta (7 a 10 dias).
2. Efeito Anti-Reprodutivo
Um dos aspectos mais valiosos de C. subtsugae no manejo de vetores é sua capacidade de reduzir a fecundidade e inibir a oviposição (postura de ovos). Para o controle de D. maidis, que possui um ciclo de vida rápido e explosivo, a supressão da capacidade reprodutiva é mais estratégica a longo prazo do que apenas a mortalidade de adultos. Ao limitar o número de ovos depositados, o bioinseticida quebra o ciclo de vida da praga, impedindo surtos populacionais nas gerações subsequentes.
3. A Potência da Violaceína e o Potencial Anti-Vetor
O terceiro componente é a ação bioquímica do pigmento violáceo produzido pela bactéria: a violaceína. A violaceína é um metabólito secundário que confere à bactéria sua atividade antimicrobiana contra bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.
Estudos detalhados sobre o mecanismo de disrupção da violaceína revelaram que sua potência bactericida decorre de sua capacidade de atacar a membrana citoplasmática das células. A urgência no desenvolvimento de novos antimicrobianos reside justamente na descoberta de mecanismos de ação diferentes dos antibióticos tradicionais.
Este conhecimento molecular sobre o alvo da violaceína implica um benefício triplo e altamente estratégico no contexto do manejo da cigarrinha-do-milho. D. maidis é vetor de espiroplasma e fitoplasma, que são tipos de molicutes, ou seja, bactérias fitopatogênicas que, notavelmente, não possuem parede celular rígida. Elas dependem criticamente de sua membrana celular para a integridade estrutural e funcional.
A violaceína, ao ser ingerida pelo vetor, tem o potencial de interferir diretamente na carga de molicutes dentro do próprio inseto, caso seja absorvida em seus tecidos ou atue no ambiente intestinal. O ataque direcionado à membrana citoplasmática sugere que a molécula pode ser particularmente eficaz contra os molicutes, já que a membrana é seu único invólucro protetor. O uso de C. subtsugae, portanto, transcende o mero controle populacional do inseto. Ele se transforma em uma estratégia de Controle Anti-Vetor, atacando tanto o inseto transmissor quanto, potencialmente, os patógenos que ele carrega, inibindo a eficácia da transmissão da doença.
Os múltiplos mecanismos de ação de C. subtsugae fornecem uma proteção robusta e sustentada, essencial para o manejo de uma praga complexa como a cigarrinha.
Tabela 1: Mecanismos de Ação de Chromobacterium subtsugae
| Modo de Ação | Função Biológica | Implicação Estratégica para D. maidis |
| Ingestão (Veneno Estomacal) | Causa disfunção no trato digestivo do inseto sugador. | Controle de indivíduos adultos e ninfas, com mortalidade em 7-10 dias. |
| Anti-reprodutivo | Reduz a produção de ovos (fecundidade) e inibe a postura (oviposição). | Prevenção de surtos populacionais na próxima geração, crucial para manejo de vetor. |
| Bioquímico (Violaceína) | Metabólito secundário com atividade antimicrobiana e disrupção da membrana celular. | Potencial para amplo espectro de ação e possível interferência na carga de molicutes (ação anti-vetor). |
Evidência e Potencial Contra Dalbulus maidis
Embora a validação em larga escala no campo seja o teste definitivo para qualquer bioinseticida, o potencial de C. subtsugae contra D. maidis é apoiado por ensaios que demonstram a entomopatogenicidade geral da bactéria e pela compreensão da sinergia entre o biocontrole e as defesas naturais da planta.
Otimização e Mortalidade em Laboratório
Pesquisas iniciais sobre o bioinseticida de C. subtsugae focaram na otimização do processo de fermentação para maximizar a produção dos metabólitos ativos. Ensaios, como o que utilizou o delineamento composto central rotacional (CCRD), buscaram identificar as condições ideais de variáveis como temperatura, cloreto de sódio (NaCl) e glicose. Embora nem todos os modelos tenham sido considerados preditivos, a sequência de análises inferiu os valores ótimos para cada variável, com os melhores resultados de mortalidade registrados em ensaios de 96 horas. Tais resultados estabelecem a base para a viabilidade do produto e sua toxicidade em condições controladas.
Sinergia Genética e Comportamental
A máxima eficácia do controle biológico no manejo da cigarrinha-do-milho é alcançada através da integração com o fator de resistência da planta. A escolha de cultivares tolerantes não é apenas uma medida defensiva, mas uma estratégia que aumenta ativamente a exposição da praga aos agentes de biocontrole.
A tecnologia EPG (Electrical Penetration Graph) tem sido utilizada para analisar o comportamento de sucção de D. maidis em diferentes híbridos de milho. O estudo demonstrou que, em comparação com um híbrido suscetível, híbridos resistentes (como DK390 e DK72-10) alteram significativamente o comportamento de sondagem da cigarrinha.
Em plantas resistentes, D. maidis manifesta um padrão de sucção que consiste em um número maior de sondagens curtas, dificuldades em atingir a ingestão de floema e um aumento na ingestão de xilema.14 Por exemplo, o híbrido DK390 demonstrou o mais alto nível de resistência baseada no mesófilo e no floema, exibindo tentativas repetidas e de curta duração, um comportamento típico associado a tentativas fracassadas de ingestão.
A dificuldade de alimentação da cigarrinha em cultivares resistentes aumenta drasticamente a probabilidade de ingestão do bioinseticida foliar. Se a cigarrinha realiza múltiplas sondagens curtas, ela passa mais tempo explorando as camadas superficiais e mesofílicas da folha, onde o produto de C. subtsugae foi depositado. Cada tentativa fracassada de alcançar o floema (o alvo preferencial) e a maior ingestão de xilema (que pode absorver resíduos da superfície) representa uma oportunidade aumentada para a ingestão do veneno estomacal e dos metabólitos bacterianos.
Portanto, o uso de cultivares resistentes atua como um facilitador biológico, induzindo um comportamento na praga que maximiza a eficácia do controle biológico aplicado externamente. A sinergia entre resistência genética e o modo de ação por ingestão do C. subtsugae cria uma camada de proteção significativamente mais forte do que qualquer estratégia isolada.
Estratégias de Aplicação e Manejo Integrado (MIP)
A resposta eficaz e sustentável à crise da cigarrinha-do-milho exige o abandono de soluções isoladas e a adoção rigorosa do Manejo Integrado de Pragas (MIP), no qual C. subtsugae desempenha um papel tático e crucial.
O Tripé Estratégico
O sucesso no manejo de D. maidis é sustentado por três pilares interconectados:
- Seleção de Cultivar Tolerante: A fundação de todo o manejo. A escolha de cultivares que possuam pelo menos moderada tolerância aos enfezamentos é um pré-requisito. A falha neste ponto torna todas as demais medidas de controle, sejam químicas ou biológicas, significativamente mais caras e menos eficazes.
- Monitoramento Estruturado e Timing: O monitoramento deve ser intensivo e estruturado desde a emergência da cultura. A cigarrinha representa um desafio único, exigindo que o controle seja realizado de forma preventiva, antes que a população atinja um potencial vetorial crítico.
- Controle Biológico e/ou Químico Estratégico: A intervenção deve ser direcionada à interrupção do ciclo de vida e da transmissão da doença.
Posicionamento Tático de C. subtsugae
Dada a natureza de ação lenta (7-10 dias para mortalidade) e o modo de supressão de fecundidade de C. subtsugae, o produto não deve ser visto como uma solução de resgate para infestações severas. Seu posicionamento ideal é como uma ferramenta preventiva e de supressão populacional (vector management) nas fases iniciais da cultura do milho.
O timing ideal de aplicação de C. subtsugae coincide com o início da infestação e o período mais crítico da cultura para a aquisição e transmissão dos molicutes. Ao aplicar a bactéria de forma precoce, maximiza-se o efeito anti-reprodutivo, limitando o crescimento exponencial da população e, consequentemente, a pressão de inoculação da doença. As formulações comerciais, como o Grandevo ou o Cromobac/Chromotrix, permitem a aplicação em campo aberto , e o produtor deve seguir rigorosamente as indicações de dose e forma de aplicação contidas na bula do produto específico (e.g., Cromobac/Chromotrix).
Redefinição das Métricas de Sucesso
Um erro comum no uso de agentes de biocontrole é a expectativa de mortalidade instantânea, similar aos químicos. No caso de C. subtsugae, essa expectativa é equivocada devido ao tempo de latência de 7 a 10 dias.
Para que o produtor avalie o sucesso do manejo com o bioinseticida, as métricas devem ser redefinidas, focando nos resultados fitossanitários e econômicos, e não apenas na contagem de carcaças de insetos. A prioridade na mitigação da crise dos enfezamentos é evitar que a doença se estabeleça e se propague. O sucesso real da aplicação de C. subtsugae deve ser mensurado pela redução da incidência de enfezamentos na colheita, o que reflete a eficácia da supressão populacional e da redução da capacidade vetorial proporcionada pelo mecanismo de violaceína e anti-fecundidade.
Vantagens de Sustentabilidade
A utilização de um agente com múltiplos modos de ação (veneno estomacal, anti-reprodutivo, bioquímico) 6 inerentemente dificulta o desenvolvimento de resistência rápida por parte da cigarrinha, um problema crônico enfrentado pelos programas de manejo que dependem de inseticidas com um único alvo molecular. Além disso, a integração de C. subtsugae em um plano de MIP contribui para a sustentabilidade geral do sistema agrícola.
Tabela 2: Fatores Chave para o Manejo Integrado da Cigarrinha
| Estratégia MIP | Ação Recomendada | Sinergia com o Uso de C. subtsugae |
| Seleção de Cultivar Tolerante | Escolha de híbridos com moderada tolerância aos enfezamentos. | Aumenta a ingestão do biológico devido à mudança comportamental da praga (mais sondagens curtas).3 |
| Monitoramento Estruturado | Detecção e intervenção na fase inicial da cultura. | Permite a aplicação no timing ideal para maximizar o efeito anti-reprodutivo e de supressão populacional.4 |
| C. subtsugae | Aplicação preventiva ou no início da infestação (conforme bula). | Ação lenta, mas duradoura (7-10 dias), protegendo a cultura durante o período crítico de transmissão de molicutes.6 |
Conclusão: A Sustentabilidade no Controle da Cigarrinha
A complexidade da cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis), manifestada principalmente por seu papel como vetor dos enfezamentos, exige uma resposta fitossanitária que vá além da eliminação imediata do indivíduo. A eficácia de Chromobacterium subtsugae reside justamente em sua capacidade de oferecer um controle sofisticado, focado na supressão de longo prazo e na interrupção do ciclo de transmissão da doença.
Com um mecanismo de ação múltiplo, que inclui veneno estomacal, supressão da fecundidade, e a ação do metabólito violaceína, o bioinseticida se posiciona como uma ferramenta cientificamente robusta e ecologicamente compatível. Este agente biológico opera em sinergia com a resistência natural das plantas, pois o comportamento de alimentação alterado da cigarrinha em cultivares resistentes aumenta a probabilidade de ingestão da bactéria, maximizando a taxa de exposição e eficácia.
O futuro da proteção do milho reside na adesão estrita ao MIP. A integração de cultivares tolerantes com o uso estratégico e preventivo de agentes de biocontrole, como C. subtsugae, é o caminho mais seguro e sustentável para mitigar os prejuízos econômicos causados por esta praga vetorial.



Publicar comentário