Biofungicidas na soja: aplicação zero e consórcio químico
Biofungicidas na soja: guia completo para aplicar na pré‑emergência, consorciar com químicos e cortar custos sem abrir mão do controle
A pressão das doenças foliares continua sendo o maior vilão da rentabilidade na soja. Mesmo com três a cinco pulverizações químicas por ciclo, a ferrugem‑asiática, as manchas de final de ciclo e o mofo‑branco ainda tiram sacas do produtor. Por isso, cresce a adoção da “aplicação zero” com biofungicidas logo no V0‑V2 e o consórcio biológico‑químico a partir do R1. Essa combinação entrega proteção inicial, retarda resistência e diminui a dependência de moléculas caras, aliviando o bolso do produtor e dando novos argumentos de venda ao consultor. Vamos mergulhar nessa estratégia passo a passo.
1. O cenário de custo e a oportunidade de economia
Levantamento da Aprosoja/MS mostra que os fungicidas representam 12,4 % do custo total da lavoura, algo em torno de R$ 425,50 / ha na safra 2024/25, já descontada a queda de preços dos últimos meses (Agroadvance). Se o consultor conseguir substituir a primeira passada química por um biofungicida que custa, em média, R$ 22 / ha, a economia imediata é de R$ 403,50 / ha. O ganho de margem é ainda maior quando se considera que o bio protege o baixeiro cedo, reduz a severidade e permite cortar até 50 % da dose química na segunda aplicação sem perder eficiência, segundo ensaios da Embrapa Soja (Infoteca Embrapa).
2. O que é aplicação zero e por que ela faz diferença
Aplicação zero é a entrada de biofungicida na lavoura entre V0 e V2, geralmente na mesma passagem do pós‑emergente. Nessa janela, o dossel ainda é baixo e o produto alcança o solo e as primeiras folhas, colonizando rapidamente o futuro microclima do baixeiro. Estudos com Trichoderma harzianum em Tocantins mostraram aumento de 4,3 sc/ha e menor severidade de mancha‑alvo quando o biológico foi aplicado no V2 sem mistura química (ResearchGate). Além disso, a microbiolização precoce inibe escleródios de Sclerotinia e forma a primeira barreira contra ferrugem, de acordo com o manual “Bioinsumos na cultura da soja” da Embrapa, capítulo 18 .
2.1 Checklist rápido da aplicação zero
- Volume mínimo: 120 L / ha.
- pH da calda entre 6,0 e 7,0.
- Bicos leque 110‑02 ou 03, 2,5 bar.
- Evitar misturar óleo mineral; prefira adjuvantes não iônicos.
- Sem chuva nas 3 h seguintes ou reaplicar.
3. Principais biofungicidas recomendados
Microrganismo | Produto comercial (exemplo) | Doenças‑alvo chave | Dose usual |
---|---|---|---|
Trichoderma harzianum T‑22 | Trianum DS | mofo‑branco, Rhizoctonia, mancha‑alvo | 1,5 kg/ha semente ou 100 g/ha foliar |
Bacillus subtilis QST713 | Serenade ASO | ferrugem‑asiática, FLS, antracnose | 3,0 L/ha |
Bacillus pumilus BV138 | Caravan | manchas de final de ciclo | 1,0 L/ha |
Pseudomonas fluorescens Pf‑01 | Bio‑Imune | septoriose, cercosporiose | 1,5 L/ha |
Esses microrganismos atuam por antibiose, competição de nicho e indução de resistência sistêmica. O Trichoderma ainda libera quitinases que degradam a parede fúngica, e Bacillus subtilis produz lipopeptídeos que formam biofilme, protegendo a folha contra a penetração do patógeno (Embrapa).
4. Passo a passo do consórcio bio + químico
- Monitoramento pós‑V4: se a pressão climática indicar alta umidade e temperatura acima de 23 °C, programe a segunda passada 20‑25 dias após a zero ou na entrada do R1.
- Mistura em tanque: Bacillus subtillis + ½ dose de estrobilurina + ½ dose de triazol + multisite completo. Ensaios de Londrina mostraram 80‑88 % de controle de ferrugem, equivalente à dose cheia do químico, economizando R$ 28‑32 / ha (Infoteca Embrapa).
- Intervalo de reaplicação: 12‑14 dias. Se chover > 20 mm nas primeiras 48 h, considerar uma reaplicação bio + multisite.
- Registro de dados: use planilha ou app para capturar custo real, severidade e produtividade.
5. Estudos de caso safra 2024‑25
Local | Tratamento | Produtividade (sc/ha) | Custo fungicida (R$/ha) | ROI* |
---|---|---|---|---|
Goiás (Faz. São Bento) | Bio V0 + Bio+½ Químico R1 | 68,4 | 235 | 2,4 |
Mato Grosso (Sorriso) | Bio V0 + Químico completo R1 | 70,2 | 290 | 2,1 |
Paraná (Cambé) | Químico completo V4 + R1 | 66,1 | 425 | 1,6 |
*ROI = (receita extra – custo adicional) / custo adicional.
Os dados de Goiás e Mato Grosso foram extraídos de experimentos cooperativos publicados em junho 2025, destacando o ganho de 2–3 sc / ha quando o bio é integrado ao químico com dose reduzida, mantendo ou até aumentando o rendimento (ResearchGate). No Paraná, onde só foi usado químico, o custo por hectare subiu e o ROI caiu, reforçando a eficiência do consórcio.
6. Análise econômica detalhada
Considerando preço da saca a R$ 117,00 e custo agrícola de R$ 5.998,05 / ha, cada saca economizada representa 1,95 % de margem bruta. A economia de R$ 190 / ha na troca do químico por bio na primeira passada já paga 1,6 sc/ha. Se a lavoura ainda ganhar 2 sc/ha extras de rendimento, o produtor embolsa R$ 234 / ha de margem adicional, um retorno de 122 % sobre o investimento biológico.
Outro ponto crucial é o efeito na resistência: reduzir a dose de estrobilurina e triazol diminui a pressão seletiva. Relatório recente da Cultivar alerta que a resistência a fungicidas gera perdas regionais crescentes quando o produtor insiste em doses cheias ano após ano (Cultivar).
7. Implementação na prática para o consultor
- Mapeie pressão de doença por talhão: use mapas de NDVI e histórico de ferrugem para priorizar áreas.
- Segmente clientes: proponha piloto em 10 % da área de cada produtor.
- Elabore plano de custo/benefício personalizado: insira preços locais do bio e simule cenários de preço de soja.
- Treine equipe de aplicação: qualidade de calda e cobertura contam mais no bio do que no químico.
- Registre evidências: fotos de severidade, planilhas de custo, boletins de produtividade. Esses dados viram argumento de venda na próxima safra.
8. Perguntas frequentes
- Bio substitui totalmente o químico? Não. A maior segurança vem do consórcio, especialmente quando a ferrugem pressiona cedo.
- Posso misturar com inseticida? Sim, mas verifique compatibilidade de pH e use adjuvante não iônico.
- Funciona em ano seco? O bio depende de umidade para colonizar; em lavouras irrigadas ou anos mais secos, aumente o volume de calda e o período úmido pós‑pulverização.
- Registro do produto? Use apenas biofungicidas registrados no MAPA para soja e siga doses de bula.
- Qual o melhor Bacillus? Linhagens QST713 e BV138 possuem maior volume de dados de campo e registro foliar amplo.
9. Conclusão
Biofungicidas não são moda passageira. Quando posicionados na aplicação zero e aliados à química na segunda passada, entregam proteção robusta, adiam resistência e baixam custos imediatos. Para o consultor, é argumento de venda; para o produtor, margem extra. O caminho mais seguro é testar em talhões piloto, medir custo, produtividade e ROI e, se o ganho superar 1,5 sc/ha ou cortar 15 % dos custos, escalar para 100 % da área na safra seguinte.
Fontes de pesquisa
- Embrapa Soja. Bioinsumos na cultura da soja. 2022.
- Agroadvance. Custo de produção de soja por hectare em 2024/2025. 2024. (Agroadvance)
- Godoy C. V. et al. Eficiência de fungicidas multissítio e produto biológico no controle da ferrugem‑asiática. Circular Técnica 175, Embrapa Soja, 2021. (Infoteca Embrapa)
- ResearchGate. Consórcio de Bacillus spp. melhora a produtividade da cultura da soja. 2025. (ResearchGate)
- Trichoderma efficiency in soybean productivity, Tocantins. 2018. (ResearchGate)
- Embrapa. Avaliação de fungicidas químicos e biológico (Bacillus subtilis) em soja. 2020. (Embrapa)
- Revista Cultivar. Resistência a fungicidas gera perdas econômicas em escala regional. 2025. (Cultivar)
Um comentário sobre “ Biofungicidas na soja: aplicação zero e consórcio químico”