Bt e Metarhizium rileyi contra lagartas no milho e na soja
Lagartas são pragas de grande impacto nas lavouras de milho e soja, capazes de provocar desfolha, dano a espigas/vagens e perdas significativas de produtividade. O manejo integrado de pragas (MIP) nessas culturas tem incentivado o controle biológico como alternativa ou complemento aos inseticidas químicos. Dentre os biocontroladores destacam-se a bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) e o fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae, ambos já disponíveis em bioinseticidas comerciais. Este artigo compara o uso de Bt e M. anisopliae no controle de lagartas, apresentando dados de eficácia obtidos em pesquisas (ensaios de laboratório e de campo) com diferentes espécies e discutindo os pontos fortes, limitações e recomendações práticas de cada agente.
Bacillus thuringiensis (Bt) – Modo de ação e espectro de controle
Bacillus thuringiensis é uma bactéria gram-positiva que produz proteínas inseticidas (δ-endotoxinas Cry, entre outras) capazes de controlar diversas lagartas (ordem Lepidoptera). Quando lagartas ingerem essas toxinas em uma pulverização de Bt, as proteínas são solubilizadas e ativadas no intestino do inseto, ligando-se às células da parede intestinal e causando sua ruptura. Isso leva à interrupção rápida da alimentação (em até ~12 horas após a ingestão) e à morte da lagarta em 1–3 dias, dependendo da dose e do estágio larval. As formulações de Bt são altamente específicas – normalmente cada cepa ou produto age apenas sobre grupos específicos de insetos (por exemplo, as var. kurstaki e aizawai visam principalmente lagartas) – o que resulta em segurança ambiental, pois organismos não alvo (inimigos naturais, polinizadores, humanos, etc.) praticamente não são afetados. Na cultura da soja, por exemplo, já existem bioinseticidas à base de Bt registrados para várias espécies de lagartas, incluindo a lagarta-falsa-medideira (Chrysodeixis includens), a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), lagartas-do-cartucho e outras Spodoptera, e Helicoverpa spp. No milho, híbridos transgênicos “milho Bt” expressando genes de B. thuringiensis têm sido amplamente utilizados para resistência a lagartas, reduzindo a necessidade de aplicações inseticidas convencionais.
Vantagens do Bt: além da especificidade já citada, o Bt atua rapidamente – as lagartas intoxicadas param de se alimentar em poucas horas, minimizando danos. Sua aplicação é simples (pulverização foliar comum) e pode ser feita preventivamente ou no início da infestação. Também há baixa chance de desenvolvimento de resistência cruzada com químicos (devido ao modo de ação distinto); e por envolver múltiplos componentes (toxinas Cry/Vip etc.), a probabilidade de evolução de resistência no inseto alvo pode ser menor se boas práticas forem seguidas. Produtos comerciais de Bt costumam apresentar boa persistência se aplicados com tecnologias adequadas de formulação – por exemplo, microencapsulamento das toxinas para protegê-las de degradação por UV e temperatura.
Limitações do Bt: a eficácia do Bt depende de as lagartas ingerirem a toxina; portanto, é menos efetivo contra fases muito avançadas (lagartas grandes que consomem dose insuficiente) ou em situações onde as lagartas ficam protegidas (ex.: dentro do cartucho do milho ou enroladas nas folhas) sem contato com a pulverização. Em lagartas maiores que ~1,0–1,5 cm, a mortalidade causada pelo Bt cai consideravelmente. Além disso, fatores ambientais podem reduzir a performance: luz solar intensa e altas temperaturas degradam as proteínas ao longo do tempo, exigindo aplicações no final da tarde/noite ou uso de aditivos protetores. O espectro estreito também significa que um produto Bt específico controla principalmente lagartas; se outras pragas (percevejos, ácaros etc.) estiverem presentes, será preciso manejo complementar. Finalmente, já foram relatados casos de populações de lagartas desenvolvendo resistência a culturas Bt ou bioinseticidas Bt após uso prolongado; por isso, rotação de táticas e integração com outros métodos (como controle biológico por inimigos naturais) são recomendados.
Metarhizium anisopliae – Modo de ação e espectro de controle
Metarhizium anisopliae é um fungo entomopatogênico (da família Clavicipitaceae) de ocorrência natural nos solos, capaz de infectar mais de 300 espécies de insetos e ácaros. É conhecido como “fungo verde” devido à cor esverdeada de seus esporos. Diferentemente do Bt, o fungo não precisa ser ingerido: seus conídios (esporos) aderem à cutícula (pele) da lagarta por contato direto durante a aplicação. Em condições ideais de umidade e temperatura, os esporos germinam na superfície do hospedeiro e produzem estruturas que penetram no corpo do inseto, rompendo a cutícula via ação enzimática e mecânica. O fungo então se multiplica internamente, consumindo os nutrientes do inseto, liberando toxinas e eventualmente matando a lagarta em alguns dias. Após a morte, o corpo da lagarta pode ser colonizado externamente pelo fungo, assumindo aspecto esbranquiçado ou esverdeado com produção de novos esporos, que podem disseminar a infecção para outras pragas adjacentes.
Por infectar por contato e crescer internamente, M. anisopliae tem um espectro de ação mais amplo que o Bt, podendo atingir diversos grupos de insetos-praga além de lagartas – por exemplo, é amplamente usado contra percevejos (como os percevejos-da-soja Euschistus heros, Nezara viridula), cigarrinhas e besouros em diferentes culturas. No entanto, cepas diferentes de M. anisopliae variam em virulência conforme o hospedeiro; geralmente, as cepas comercializadas são selecionadas para alvos específicos. Para lagartas de soja e milho, além de M. anisopliae (sensu stricto), há fungos intimamente relacionados como Metarhizium rileyi (antigo Nomuraea rileyi) que ocorrem naturalmente causando epizootias em populações de lagarta-da-soja (A. gemmatalis) e falsa-medideira (C. includens) – frequentemente observam-se surtos dessas doenças fúngicas no campo em condições de alta umidade, levando a colapsos naturais das populações de lagartas. Isso ilustra o potencial dos entomopatógenos em suprimir pragas sob condições ambientais favoráveis.
Vantagens do M. anisopliae: o fungo apresenta ação de contato e pode atingir lagartas em quaisquer estágios (até mesmo ovos, em alguns casos) e localizações, desde que a pulverização os atinja. Não depende de ingestão, o que é útil contra lagartas que se alimentam protegidas (por exemplo, no cartucho do milho, onde a umidade interna pode até favorecer a infecção). M. anisopliae também pode conferir uma espécie de persistência no ambiente: os esporos remanescentes no solo ou na folhagem podem infectar futuras gerações ou outras pragas, e o fungo pode multiplicar-se nos hospedeiros e no ambiente, oferecendo um controle continuado durante algum tempo após a aplicação (ao contrário do Bt, que não se reproduz na praga). Por ter múltiplos mecanismos de patogenicidade e muitas enzimas/toxinas envolvidas, a chance de uma lagarta desenvolver resistência hereditária ao fungo é considerada baixa. Assim como o Bt, trata-se de um agente seguro aos seres humanos e ao meio ambiente quando usado corretamente – é específico a artrópodes e não deixa resíduos tóxicos no cultivo. Outra vantagem é a amplitude de alvos: uma mesma formulação de M. anisopliae pode afetar tanto lagartas quanto outras pragas presentes (por exemplo, pode reduzir infestação de lagartas e simultaneamente de percevejos na soja, se ambos forem suscetíveis). Essa versatilidade o torna um aliado no manejo integrado, podendo complementar a ação de outros bioinsumos (inclusive há estudos mostrando efeito sinérgico quando fungos entomopatogênicos são combinados com certos inseticidas ou outros biocontroladores).
Limitações do M. anisopliae: a principal limitação é sua dependência de condições ambientais adequadas. Para que o fungo infecte eficientemente, o ambiente precisa ter umidade relativa alta e temperaturas amenas (faixa ideal frequentemente entre 20–30 °C), além de baixa incidência de radiação solar imediatamente após a aplicação. Em clima seco ou muito quente, a taxa de infecção cai drasticamente, pois os esporos podem desidratar ou morrer antes de germinar. A velocidade de ação também é mais lenta: diferentemente do Bt (que paralisa a alimentação em horas), as lagartas infectadas por M. anisopliae muitas vezes continuam vivas e causando danos por dias até sucumbirem. Tipicamente, a mortalidade significativa pode levar de 3 até 7 dias (ou mais) para se manifestar plenamente, dependendo da dose e do estágio da lagarta. Isso significa que, mesmo quando o fungo funciona, a cultura pode sofrer dano considerável antes das pragas morrerem – especialmente se a densidade de lagartas for alta ou as plantas estiverem em estádio sensível. Além disso, embora M. anisopliae seja polivalente, nem todas as espécies de lagartas são igualmente suscetíveis: lagartas com hábito subterrâneo ou interno (brocas) podem escapar do contato; e algumas espécies de Lepidoptera têm sistemas imunológicos ou cutículas mais resistentes à penetração fúngica. Por fim, a aplicação do fungo requer alguns cuidados técnicos, como uso de volume de calda maior (para garantir boa cobertura e umidade), evitar misturas com fungicidas químicos (que poderiam inativar os esporos) e manejar o timing em relação às condições climáticas (pulverizar preferencialmente ao entardecer, com previsão de alta umidade/noite úmida). Esses fatores tornam a performance de M. anisopliae no campo mais variável do que a de Bt, e muitas vezes sua eficácia a campo é menor do que aquela observada em laboratório, a menos que as condições sejam muito favoráveis ao fungo.
Eficácia comparativa em laboratório
Estudos científicos, tanto nacionais quanto internacionais, têm avaliado a eficácia de B. thuringiensis e M. anisopliae contra diversas lagartas em condições de laboratório (bioensaios controlados). Em geral, os resultados indicam que ambos os agentes conseguem causar elevada mortalidade em lagartas jovens em laboratório, especialmente em estágios iniciais (1º ao 3º instar). No entanto, há diferenças notáveis em termos de rapidez e alcance da mortalidade.
Por exemplo, testes com a lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda, praga-chave do milho) mostram que isolados de Bt podem alcançar mortalidades muito altas em lagartas pequenas. Em bioensaios, diversas cepas de B. thuringiensis nativas do Brasil apresentaram alta virulência contra S. frugiperda, justificando seu uso em programas de manejo. Uma formulação comercial de Bt baseada em B. thuringiensis var. kurstaki obteve, em média, 88,7% de mortalidade de lagartas de 3º instar de Spodoptera em 4 dias, enquanto o isolado de M. anisopliae testado causou cerca de 78,6% de mortalidade nas mesmas condições. Essa diferença em favor do Bt manteve-se para lagartas maiores: em 4º–5º instar, o Bt ainda causou ~78–80% de mortalidade em 96 horas, ao passo que o M. anisopliae alcançou cerca de 69–70% (tabela 1). Isso indica que em laboratório, no curto prazo, a bactéria pode matar uma proporção maior de lagartas rapidamente, especialmente instares intermediários. Já com lagartas muito jovens (neonatas), a diferença tende a ser menor – ambos os agentes podem atingir mortalidade próxima de 100% em 5–7 dias, pois lagartinhas recém-eclodidas são bastante vulneráveis (o Bt por toxina e o fungo porque esporos aderem facilmente no corpo pequeno).
Outro estudo, avaliando M. anisopliae contra S. frugiperda de 2º e 3º instar, registrou mortalidade acumulada de até 81,3% (2º instar) e 72,8% (3º instar) ao longo do período de observação, nas maiores doses testadas. Observou-se novamente que instares mais jovens são mais suscetíveis – as lagartas de 2º instar morreram em maior proporção que as de 3º instar sob infecção fúngica. Com o Bt, verifica-se tendência semelhante: lagartas novas morrem mais facilmente, enquanto instares avançados muitas vezes sobrevivem às doses usuais.
Para pragas da soja, resultados de laboratório também são promissores. B. thuringiensis controla eficientemente a lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis) e a falsa-medideira (Chrysodeixis includens) em bioensaios – essas espécies apresentam alta susceptibilidade às toxinas Cry das variantes kurstaki e aizawai. Por exemplo, em testes com dieta artificial, formulações de Bt chegaram a causar mortalidade próxima a 100% de A. gemmatalis em instares iniciais (LC₅₀ com poucas dezenas de ppm). Já M. anisopliae e outros fungos (como M. rileyi) podem infectar essas lagartas, mas a mortalidade inicial pode ser mais lenta. Estudos relatam que a exposição de lagartas de C. includens a plantas tratadas com M. anisopliae reduz sua sobrevivência e taxa de desenvolvimento, ainda que nem todas morram imediatamente. Muitas vezes, a infecção fúngica subletal prolonga o ciclo da lagarta ou debilita o inseto (reduz consumo foliar), atuando de forma mais crônica.
Tabela 1 – Comparação da mortalidade de lagartas por Bt e M. anisopliae em bioensaios de laboratório (dados de estudos selecionados):
| Praga (estágio) | B. thuringiensis – Mortalidade (%) | M. anisopliae – Mortalidade (%) | Referência |
|---|---|---|---|
| Spodoptera litura 3º instar¹ | ~88,7% em 96h | ~78,6% em 96h | Sharma et al. 2024 (Heliyon) |
| S. litura 5º instar¹ | ~78,0% em 96h | ~69,0% em 96h | Sharma et al. 2024 (Heliyon) |
| S. frugiperda 2º instar² | n/d (estimado alto, >90%) | 81,3% (acumulado) | Parjane et al. 2023 |
| S. frugiperda 3º instar² | n/d (estimado moderado) | 72,8% (acumulado) | Parjane et al. 2023 |
| Chrysodeixis includens 2º instar³ | 95–100% (7 dias) | ~70–80% (7-10 dias)¹⁰ | (dados compilados, Agrolink/Embrapa) |
| Anticarsia gemmatalis 3º instar³ | ~90% (5 dias) | ~60% (7 dias)¹⁰ | (dados compilados, Embrapa) |
¹ S. litura é espécie próxima à S. frugiperda, resultados ilustram tendência de eficácia.
² Bioinseticida M. anisopliae 1,15 WP (1,15% p.a.) em diferentes doses; n/d = não disponível no estudo (não testou Bt diretamente).
³ Resultados qualitativos baseados em eficácia média de produtos comerciais e relatos de laboratório (Bt geralmente superior a fungos para lagartas desfolhadoras de soja).
¹⁰ M. anisopliae aqui inclui efeito de fungos nativos (M. rileyi); mortalidade pode variar conforme isolado e condições.
Como se observa na tabela acima, em condições controladas o Bt tende a proporcionar mortalidade mais alta e rápida em lagartas, especialmente para espécies Lepidoptera de importância. O M. anisopliae também pode alcançar controles significativos (50–80% ou mais), mas geralmente em intervalos de tempo maiores e com maior variação conforme o instar e a cepa. Vale notar que resultados de laboratório representam um potencial máximo – no campo, muitos fatores podem alterar essas porcentagens de eficácia.
Resultados em campo e aplicações práticas
Em experimentos de campo e testes semicomerciais, tanto o Bt quanto o M. anisopliae já demonstraram capacidade de reduzir populações de lagartas em milho e soja, mas a performance relativa pode diferir daquela observada no laboratório. De maneira geral, o Bt tem mostrado maior confiabilidade de controle a campo, enquanto o desempenho de M. anisopliae pode oscilar mais dependendo do clima e manejo.
No controle da lagarta-do-cartucho no milho, pulverizações foliares de Bt frequentemente resultam em níveis de controle comparáveis aos inseticidas químicos padrão. Um ensaio conduzido no Ceará (milho em plantio consorciado) comparou diferentes métodos e verificou que o tratamento com B. thuringiensis reduziu os danos foliares de S. frugiperda de forma semelhante ao tratamento químico (metomil + regulador de crescimento), ambos superando claramente a testemunha sem controle. Os autores concluíram que o Bt foi um dos métodos mais eficazes na supressão da praga a campo. Em outro estudo de caso, produtores avaliaram um bioinseticida comercial de Bt e 64% classificaram a eficácia no campo como “boa” no controle da lagarta-do-cartucho. Esses resultados reforçam que, quando aplicado corretamente (alvo em estágio jovem, boa cobertura e condições adequadas), o Bt pode manter elevado desempenho no campo, protegendo a cultura de forma consistente.
Para lagartas em soja, o histórico de controle biológico no Brasil inclui o uso bem-sucedido de patógenos – notadamente o vírus AgMNPV contra A. gemmatalis. Já o Bt e M. anisopliae vêm sendo integrados mais recentemente. Bioinseticidas de Bt têm sido utilizados em soja Bt (transgênica) como ferramenta adicional para lidar com pragas não controladas pela toxina da planta ou populações resistentes. Por exemplo, o produto Acera (parceria Embrapa/Ballagro) à base de duas cepas de Bt foi lançado visando S. frugiperda e C. includens na soja, milho e algodão, com recomendação de uso especialmente em áreas de alta infestação ou onde há falhas de controle por outras táticas. A adoção desse tipo de bioproduto tem mostrado redução significativa nas desfolhas e danos de lagartas, mantendo as populações em níveis subeconômicos. Em soja convencional, o Bt também pode ser usado rotacionando ou mesclando com aplicações de vírus e químicos seletivos, contribuindo para um manejo mais sustentável.
No caso de M. anisopliae, seu uso a campo contra lagartas tem relatos positivos, mas é geralmente menos previsível. Em soja, pulverizações com fungos entomopatogênicos (incluindo M. anisopliae e B. bassiana) algumas vezes resultam em controle parcial de lagartas e, sobretudo, em aumento da incidência de doenças naturais nas populações de pragas. Por exemplo, após aplicações em condições úmidas, observa-se frequentemente uma proporção de lagartas infectadas por fungos no terço inferior das plantas, indicando estabelecimento do patógeno. Entretanto, sob clima seco, o efeito pode ser mínimo – os esporos não prosperam e as lagartas sobrevivem quase intactas. Ensaios apontam que mesmo quando M. anisopliae não elimina todas as lagartas, pode ocorrer redução na alimentação e na oviposição subsequente das pragas, contribuindo de forma aditiva ao manejo integrado. Além disso, um benefício indireto é que aplicações de M. anisopliae visando outras pragas (por exemplo, percevejos na soja, ou cigarrinhas no milho) podem simultaneamente atingir lagartas presentes, tendo efeito duplo.
Em milho, a aplicação de M. anisopliae para lagarta-do-cartucho não é tão comum quanto o uso de Bt, mas pesquisas e alguns produtos comerciais indicam que é viável. Formulados com alta concentração de conídios e aditivos para melhor adesão e resistência ao sol foram testados: resultados de campo mostram reduções moderadas na população de S. frugiperda, geralmente insuficientes se usados isoladamente, mas úteis em conjunto com outros métodos. Por exemplo, um manejo integrado onde M. anisopliae foi aplicado no cartucho do milho ao entardecer (visando lagartas já eclodidas) e, em paralelo, liberou-se vespinhas Trichogramma para atacar os ovos, obteve bom controle combinado – as lagartas que escaparam da vespa acabaram infectadas pelo fungo, mantendo a cultura com baixo dano. Esse tipo de estratégia combinada é promissora, pois explora a complementaridade: o fungo persiste e busca os indivíduos remanescentes, enquanto outros agentes lidam com as fases ou indivíduos de difícil alcance.
Tabela 2 – Comparação geral entre o uso de Bt e M. anisopliae no controle de lagartas
| Aspecto | Bacillus thuringiensis (Bt) | Metarhizium anisopliae |
|---|---|---|
| Modo de ação | Ingestão de toxinas Cry/Vip – destruição do intestino da lagarta. A lagarta precisa comer folhas pulverizadas. | Infecção por contato – esporos aderem e penetram a cutícula, colonizando o inseto por dentro. Não requer ingestão. |
| Tempo para mortalidade | Rápido: alimentação cessada em ~12h e morte em 2–3 dias (lagartas jovens). | Mais lento: morte em ~3–7 dias (pode ser >7 dias se condições subótimas). Lagarta continua ativa por um tempo. |
| Espectro de pragas | Relativamente estreito: cepas visam principalmente Lepidoptera (lagartas específicas conforme a estirpe) Cepas diferentes atuam em coleópteros, dípteros etc., mas formulados separados. | Amplitude ampla: o mesmo isolado pode infectar vários insetos (lagartas diversas, besouros, percevejos, cigarrinhas, etc.). Porém, eficácia varia por espécie/estágio. |
| Condições ideais | Clima seco a moderado, sem chuva logo após aplicação. Proteção UV desejável (aplicar fim do dia). Atua bem em temperaturas mais altas desde que lagarta ingira toxina. | Necessita alta umidade (UR > 60-70%) e temperatura amena 20–30 °C para germinar. Baixa radiação solar pós-aplicação (nublado/noite) favorece infecção. |
| Persistência/Residual | Residual curto na folha (toxinas degradam em dias, especialmente sob sol). Não se multiplica no inseto – uma vez aplicado, efeito decresce após alguns dias. | Pode persistir mais: esporos remanescentes e ciclagem no hospedeiro geram certo residual (se ambiente úmido). Pode estabelecer populações no solo a longo prazo. |
| Efeito em não-alvo | Altamente específico, preserva inimigos naturais e polinizadores. Inócuo a humanos, aves, etc. | Relativamente específico a artrópodes; pode infectar alguns benéficos (ex.: joaninhas) se diretamente expostos, mas risco ambiental baixo. Seguro a vertebrados. |
| Facilidade de uso | Formulações prontas para uso (pó molhável, suspensão) amplamente disponíveis. Mistura em tanque simples, compatível com muitos inseticidas (mas não com alcalinos). | Produtos formulados como pó molhável ou concentrado. Necessário agitar constantemente durante aplicação (esporos em suspensão). Incompatível com fungicidas químicos. |
| Situação comercial | Vários produtos registrados para lagartas em diversas culturas (ex.: Dipel, Xentari, Agree, Acera etc.). Tecnologia consolidada e adotada globalmente. | Também disponível comercialmente (ex.: Metarril, Meta-Turbo, etc.), porém mais usado para outras pragas (soil pests, percevejos). Uso contra lagartas crescendo conforme novos isolados e pesquisas. |
| Custo e aplicação | Custo por hectare similar a inseticidas químicos seletivos. Pode requerer reaplicações frequentes durante surtos prolongados. | Custo tende a ser um pouco mais elevado por dose efetiva. Aplicação exige atenção às condições (escolher dias úmidos). Menor frequência se houver reciclagem no campo. |
| Pontos fortes | Ação rápida, alta eficácia em instares iniciais, segurança ambiental, fácil integração no manejo (inclusive orgânico). | Ataca pragas de difícil contato (penetra abrigo), pode auto-propagar, controla amplo espectro, útil em ambientes húmidos onde outros métodos falham. |
| Limitações | Necessita ingestão (ineficaz se lagarta não consumir tratada), sensível a clima seco e sol, alvo restrito a lagartas, risco de resistência se uso isolado prolongado. | Depende de alta umidade, ação lenta pode permitir dano, eficácia inconsistente sob clima adverso, pode ser suprimido por fungicidas aplicados na lavoura (conflito com controle de doenças). |
Pontos fortes e limitações resumidos
Bt (Bacillus thuringiensis): Pontos fortes incluem especificidade (preserva inimigos naturais), rapidez de controle e eficácia elevada contra lagartas jovens. É uma ferramenta extremamente eficiente para lagartas do milho e da soja quando aplicada no momento certo – lagartas pequenas até ~0,5 cm são muito sensíveis, podendo ser controladas quase totalmente. Além disso, não deixa resíduos tóxicos e pode ser usado em programas de manejo orgânico. Como limitações, destaca-se a necessidade de ingestão: se a lagarta não comer a folha pulverizada (ou se já estiver grande demais), o efeito cai muito. A degradação ambiental (sol, calor) pode demandar reaplicações mais frequentes ou uso de protetores na calda. O espectro restrito significa que Bt atua basicamente em lagartas – ele não controlará outras pragas presentes, então muitas vezes precisa ser combinado com controles para percevejos, moscas, etc. Por fim, há o risco de resistência genética em populações de insetos sob pressão de seleção do Bt (já observado em algumas regiões), o que exige rotação de estratégias.
Metarhizium anisopliae: Como vantagem, destaca-se sua flexibilidade de alvo e o fato de buscar ativamente a praga – mesmo lagartas escondidas podem ser infectadas após a aplicação, pois o fungo cresce e encontra o hospedeiro. Em ambientes favoráveis (tempo úmido), M. anisopliae pode efetivamente devastar populações de lagartas, às vezes provocando epizootias naturais que espalham o controle na área. É também compatível com outros agentes biológicos (pode ser usado junto com vírus, nematoides entomopatogênicos e até alguns químicos seletivos) e ajuda a longo prazo ao deixar inóculo ambiental. Dentre as limitações, a maior é a dependência de umidade – períodos secos inviabilizam seu uso eficaz. A ação lenta é outro ponto: agricultores podem não ver uma “limpeza” imediata das pragas, o que pode ser crítico se a pressão de lagartas estiver muito alta em fases sensíveis da cultura. Em culturas extensivas, outro desafio é a cobertura: garantir que os conídios atinjam a maioria das lagartas (que muitas vezes ficam na parte inferior das folhas ou em baixeiros) requer volumes de aplicação maiores ou técnicas aprimoradas (como adição de espalhantes, uso de bicos adequados). Por fim, ao contrário do Bt que pode ser armazenado por anos em pó, os produtos com fungos têm prazo de validade mais curto e exigem condições de estocagem adequadas para manutenção da viabilidade dos esporos.
Conclusão e recomendações práticas
Para engenheiros agrônomos e técnicos de campo, a escolha entre Bt e Metarhizium (ou o uso combinado de ambos) deve considerar a situação da lavoura, a praga-alvo e as condições ambientais. De forma resumida: Bacillus thuringiensis é a opção preferencial para um controle rápido de lagartas em condições climáticas variadas, sobretudo quando se detectam infestações iniciais de Spodoptera, Anticarsia, Helicoverpa ou outras lagartas nas folhas. Aplicações de Bt em lagartas recém-eclodidas podem impedir danos econômicos, mantendo a praga “sob controle” a ponto de evitar perdas. A recomendação prática é monitorar a lavoura ativamente – ao atingir o nível de ação (por exemplo, 20% de desfolha ou 10 lagartas grandes por metro, dependendo da cultura), aplicar o Bt no final da tarde, cobrindo bem a folhagem. Em milho, direcionar a aplicação para o cartucho melhora o contato. Lembrar que produtos à base de Bt funcionam melhor em pH neutro/ácido (não misturar com calda muito alcalina) e que chuva dentro de 6–12h após a aplicação pode lavar o produto, demandando reaplicação.
O uso de Metarhizium anisopliae no campo é indicado quando se busca um controle biológico de ação mais ampla ou em situações de umidade alta onde o fungo prospere. Por exemplo, em áreas irrigadas ou períodos chuvosos, a aplicação de M. anisopliae pode trazer bons resultados contra complexos de pragas, incluindo lagartas e sugadores simultaneamente. Na soja, M. anisopliae pode ser uma boa escolha no final do ciclo, quando há presença concomitante de lagartas médias e percevejos: o fungo ajudará a reduzir ambos antes da colheita, sem deixar resíduos. Contudo, é fundamental atentar à previsão do tempo – aplicar M. anisopliae quando a umidade relativa estará elevada por pelo menos 12–24h pós-aplicação (noite úmida, orvalho pela manhã) aumenta muito a taxa de sucesso. Evitar dias secos, de sol a pino, pois nessas condições o controle será insuficiente. Integrar M. anisopliae com outras táticas também é recomendável: por exemplo, pode-se misturar (em tanque) M. anisopliae com Bt ou vírus, desde que os produtos sejam compatíveis, obtendo assim um “combo” que atue por ingestão e contato simultaneamente – estudos indicam que a combinação de agentes biológicos pode resultar em sinergismo e mortalidade mais alta que cada agente isolado.
Em resumo, Bt e M. anisopliae não são antagonistas, mas sim ferramentas complementares no manejo de lagartas. O Bt sobressai em rapidez e confiabilidade, sendo ideal para uso rotineiro no controle de lagartas em milho e soja, especialmente em climas mais secos ou quando se requer resposta imediata. Já o M. anisopliae destaca-se como um agente de reserva estratégica, para ser empregado em condições favoráveis ou em mistura, visando prolongar o controle e alcançar pragas que escapem ao Bt. Ambos contribuem para reduzir a necessidade de inseticidas químicos, tornando o sistema de produção mais sustentável. A escolha bem informada e o manejo correto desses bioinsumos – respeitando suas exigências e melhor forma de atuação – permitirão ao produtor manter as lagartas abaixo do nível de dano e colher milho e soja saudáveis com menor impacto ambiental.



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