Como melhorar a compostagem com insumos biológicos

A compostagem é um processo biológico de decomposição de resíduos orgânicos realizado por microrganismos como bactérias e fungos, resultando em um adubo orgânico estabilizado rico em húmus e nutrientes. Trata-se de uma técnica essencial na reciclagem de resíduos agrícolas, esterco e restos de culturas, permitindo devolver matéria orgânica ao solo de forma sustentável. No entanto, um dos desafios da compostagem tradicional é o tempo prolongado necessário para que o material se decomponha completamente e atinja a maturação. Um composto orgânico convencional pode levar vários meses para ficar pronto, o que pode ser impraticável para produtores que precisam de agilidade. Diante disso, muitos profissionais da agricultura buscam como melhorar a compostagem – tanto acelerando o processo quanto elevando a qualidade do composto final.

Uma estratégia promissora para acelerar a compostagem com biológicos é a utilização de insumos biológicos, ou seja, a inoculação de microrganismos benéficos selecionados (bactérias e fungos) nas pilhas de compostagem. Esses “inoculantes” microbianos atuam como catalisadores do processo, degradando a matéria orgânica de forma mais rápida e eficiente que a microbiota espontânea. Pesquisas indicam que a adição de culturas microbianas específicas pode reduzir significativamente o tempo de decomposição sem necessidade de equipamentos caros, mantendo o baixo custo característico da compostagem. Em outras palavras, os inoculantes biológicos vêm se mostrando uma forma eficaz de melhorar a compostagem em termos de rapidez e desempenho.

Além da rapidez, o uso de microrganismos benéficos pode trazer outros benefícios importantes. Estudos científicos reportam que a inoculação microbiana adequada não apenas acelera o processo, mas também aumenta a eficiência de degradação de compostos complexos, eleva a atividade enzimática, prolonga fases importantes como a termofílica e incrementa a geração de produtos finais desejáveis (como ácidos húmicos). Outra vantagem é a melhor retenção de nutrientes no composto – por exemplo, certas bactérias podem reduzir as perdas de nitrogênio por volatilização de amônia, mantendo mais nitrogênio na forma amoniacal disponível. Adicionalmente, alguns desses microrganismos atuam como agentes de biocontrole, suprimindo patógenos do solo, o que pode tornar o composto supressivo a doenças e benéfico às plantas.

Neste artigo, voltado a agrônomos, técnicos e produtores rurais, vamos detalhar como otimizar a compostagem utilizando insumos biológicos. Abordaremos quais microrganismos benéficos podem ser adicionados (como bactérias dos gêneros Bacillus e Azotobacter, e fungos como Trichoderma e Aspergillus), explicando o papel e os benefícios de cada um. Em seguida, discutiremos o momento ideal e as formas corretas de aplicação desses inoculantes – desde a montagem da leira, reaplicações nas revoltas, dosagens recomendadas até a umidade ideal do material para propiciar a atuação microbiana. Por fim, apresentaremos os resultados esperados com o uso dos biológicos na compostagem, embasados em trabalhos científicos de instituições confiáveis (como a Embrapa e periódicos especializados nacionais e internacionais). A linguagem adotada será técnica, porém acessível, de modo que o conteúdo sirva como um guia prático e embasado para profissionais do setor agrícola interessados em aprimorar seus processos de compostagem com o auxílio de bioinsumos.

Por que usar insumos biológicos para melhorar a compostagem?

Implementar insumos biológicos na compostagem pode trazer ganhos expressivos em eficiência. Em primeiro lugar, a inoculação direcionada de microrganismos acelera a decomposição da matéria orgânica. Microrganismos selecionados para esse fim geralmente têm alta capacidade de produzir enzimas decompositoras (celulases, ligninases, proteases, etc.), atacando rapidamente componentes que demoram mais para se degradar naturalmente. Assim, resíduos que poderiam levar muitos meses para estabilizar podem alcançar a maturidade em semanas quando tratados com culturas microbianas eficientes. Por exemplo, há registro de um consórcio microbiano que reduziu o tempo de compostagem de 9 para apenas 5 semanas. Em outro caso, a inoculação com bactérias termotolerantes diminuiu o ciclo de compostagem em cerca de 40%, de ~90 dias para ~55 dias. Essas reduções de tempo representam economia de espaço e mão de obra, permitindo produzir mais composto em menos tempo.

Em segundo lugar, os insumos biológicos podem melhorar a qualidade do composto obtido. Com uma microbiota mais ativa e especializada, a matéria orgânica é mais completamente decomposta, resultando em um produto final mais estabilizado (com relação C/N menor e fração humificada maior). Pesquisadores observaram que compostos produzidos com inoculantes apresentam maior decréscimo no carbono orgânico total e na relação C/N, indicando decomposição mais completa. Ao mesmo tempo, ocorre maior retenção de nutrientes: no exemplo citado, os tratamentos inoculados terminaram com teores mais altos de nitrogênio, fósforo e potássio no composto em comparação ao controle sem inoculante. Isso significa um adubo orgânico mais rico para as plantas. Parte desse efeito vem da atuação de microrganismos como bactérias fixadoras de nitrogênio (Azotobacter, por exemplo) e fungos solubilizadores de fósforo, que enriquecem o composto em nutrientes durante o processo.

Outro motivo para usar microrganismos benéficos na leira é o potencial de reduzir perdas e emissões indesejadas. Determinados bacilos termofílicos minimizam a volatilização de nitrogênio na forma de amônia, pois assimilam esse nutriente em suas células durante a fase termofílica. Com isso, diminui-se o odor de amônia e retém-se mais nitrogênio no material. Há também consórcios microbianos que mitigam a formação de compostos indesejados como ácidos orgânicos em excesso, evitando problemas de acidificação e mau cheiro na compostagem de certos resíduos. Em síntese, ao modular a microbiologia da pilha, conseguimos um processo mais controlado e limpo.

Por fim, vale destacar os benefícios agronômicos adicionais que um composto inoculado pode fornecer. Além de nutrir as plantas como adubo orgânico, esse composto carrega em si uma comunidade de microrganismos benéficos que pode continuar atuando no solo após a aplicação. Isso inclui agentes de biocontrole (por exemplo, Trichoderma spp. e Bacillus spp. conhecidos por suprimir patógenos de solo) e bactérias promotoras de crescimento vegetal (que produzem hormônios, fixam nitrogênio, solubilizam nutrientes, etc.). Há evidências de que o uso de composto enriquecido microbiologicamente melhora a saúde do solo e o desempenho das culturas: um estudo brasileiro mostrou que a aplicação de composto com microrganismos benéficos dobrou a colonização micorrízica nas raízes de milho e trigo, resultando em maior absorção de nutrientes e aumento de produtividade de grãos em função dos consórcios bacterianos adicionados. Ou seja, o emprego de insumos biológicos na compostagem alavanca não apenas o processo de degradação dos resíduos, mas também o valor agronômico do produto final obtido.

Em resumo, melhorar a compostagem com insumos biológicos atende a múltiplos objetivos: acelerar o ciclo, elevar a qualidade e nutrição do composto, reduzir perdas e odores, e agregar funcionalidade extra (como controle biológico e promoção de crescimento). Nos tópicos seguintes, veremos quais microrganismos-chave proporcionam esses efeitos e como utilizá-los corretamente no campo.

Microrganismos benéficos utilizados na compostagem

Diversos microrganismos podem ser introduzidos para turbinar a compostagem. A escolha geralmente recai sobre espécies saprofíticas (decompositoras) eficientes e organismos com benefícios adicionais (fixadores de N, produtores de antimicrobianos naturais, etc.). A seguir, listamos os principais grupos de bactérias e fungos para compostagem, com exemplos e seus benefícios:

Bactérias benéficas para compostagem

  • Bacillus spp. (ex.: Bacillus subtilis, Bacillus licheniformis): Bactérias do gênero Bacillus estão entre as mais empregadas como inoculantes na compostagem. São bastonetes Gram-positivos formadores de esporos, o que lhes confere resistência a condições adversas como altas temperaturas e baixa umidade. Muitas espécies de Bacillus produzem um arsenal de enzimas degradativas (celulases, amilases, proteases, lipases) que quebram rapidamente os componentes orgânicos, acelerando a decomposição. Em um estudo, a inoculação com cepas B. licheniformis e B. sonorensis reduziu o tempo de compostagem em 40–43% (de ~90 para ~52 dias). Além disso, essas bactérias promoveram um maior decréscimo da relação C/N e aumento nos teores de N, P e K do composto final, indicando um adubo de melhor qualidade. Bacillus spp. também ajudam a conservar nitrogênio no sistema: trabalhos relatam que B. subtilis contribui para manter níveis mais elevados de nitrogênio amoniacal no composto, possivelmente reduzindo perdas por volatilização de amônia. Outro benefício é a ação biocontroladora – várias cepas (e.g. B. subtilis GB03, B. amyloliquefaciens) produzem antibióticos naturais e competem com microorganismos indesejáveis, ajudando a suprimir patógenos e odores durante a compostagem.
  • Azotobacter spp.: Azotobacter é um gênero de bactérias de vida livre no solo, famosas por sua capacidade de fixar nitrogênio atmosférico sem precisar de associação com raízes. Na compostagem, a presença de Azotobacter pode enriquecer o composto em nitrogênio, compensando parte das perdas desse nutriente. Ao incorporar essas bactérias, espera-se um aumento gradual do teor de nitrogênio orgânico e amoniacal no material. Pesquisas observaram, por exemplo, que Azotobacter inoculado em composto elevou a concentração de N-amônio em diversos momentos do processo. Curiosamente, Azotobacter também esteve associada à redução dos teores de N-nitrato durante a compostagem – possivelmente porque essa bactéria consome nitratos ou porque mantendo o nitrogênio em forma amoniacal evita a nitrificação excessiva. Isso é positivo, pois nitratos podem se perder por lixiviação; já o amônio pode ser convertido em biomassa microbiana e permanecer no composto. Além do aspecto nutricional, Azotobacter produz substâncias como polímeros extracelulares e algumas vitaminas que podem melhorar a estrutura do composto e até atuar como bioestimulantes para plantas. Algumas espécies do gênero também liberam compostos com efeito antimicrobiano natural, ajudando a controlar patógenos durante a decomposição (por isso Azotobacter às vezes é chamado de “antibiótico orgânico” na literatura popular agrícola).
  • Bactérias ácido-lácticas (ex.: Lactobacillus spp.): Este grupo de bactérias, presente em inoculantes conhecidos como Microrganismos Eficientes (EM), é outro aliado na compostagem. Bactérias láticas como Lactobacillus plantarum atuam principalmente nas fases iniciais fermentativas: elas consomem açúcares simples e produzem ácidos orgânicos (lático, acético, etc.) que reduzem o pH local. Essa acidificação controlada ajuda a inibir microrganismos putrefativos (que causam mau cheiro) e favorece a sucessão microbiana benéfica. Por exemplo, ao adicionar uma bactéria lática (Pediococcus acidilactici) na matéria-prima do composto, pesquisadores observaram um estímulo ao crescimento de fungos decompositores que degradam esses ácidos orgânicos, preparando o ambiente para a etapa termofílica. Ou seja, as bactérias láticas “pre-digerem” certos componentes e criam condições para os fungos atuarem mais rapidamente – um novo mecanismo de aceleração da compostagem descrito na literatura. Inoculantes comerciais de EM geralmente combinam Lactobacillus com leveduras (vide próximo item), melaço e outros ingredientes; quando aplicados na compostagem, têm mostrado efetividade em acelerar a estabilização. Em um estudo com cama de frango, o uso de um EM contendo bactérias ácido-láticas e leveduras permitiu atingir relação C/N final de 19:1, contra 80:1 no tratamento sem inoculante, usando o mesmo resíduo. Essa diferença drástica demonstra que sem os microrganismos adicionados a compostagem mal avançou (C/N permaneceu altíssimo), enquanto com o inoculante houve degradação acelerada da matéria orgânica. Assim, Lactobacillus e companheiros contribuem para acelerar a compostagem via fermentação inicial, controle de odores e cooperação com outros decompositores.
  • Actinomicetos (ex.: Streptomyces spp., Thermoactinomyces spp.): Os actinomicetos são bactérias filamentosas que se assemelham a fungos em estrutura e modo de vida. Eles desempenham um papel crucial na fase de maturação do composto, decompondo resíduos mais resistentes como celulose, hemicelulose e lignina – materiais que as bactérias comuns têm dificuldade em degradar completamente. Essas bactérias especializadas são responsáveis pelo característico cheiro de terra do composto bem curado (devido à produção de geosmina) e contribuem para a formação de húmus. Em compostagens naturais, os actinomicetos costumam proliferar quando a temperatura começa a cair (fase mesofílica tardia e curing), mas também existem espécies termofílicas que atuam no auge da temperatura. Pesquisas demonstram que inocular actinomicetos termotolerantes na fase termofílica pode acelerar a decomposição de celulose e aumentar a formação de substâncias húmicas no final do processo. Contudo, a eficácia da inoculação destes organismos depende do timing: se introduzidos no momento adequado, eles se integram melhor à comunidade microbiana e potencializam a humificação. Em suma, adicionar fontes de actinomicetos (como um punhado de solo/floresta ou um cultivo específico) pode ajudar a melhorar a etapa de cura, obtendo um composto mais bem curtido e estável. Vale lembrar que muitos actinomicetos, especialmente Streptomyces, também produzem antibióticos naturais no composto, contribuindo para suprimir fungos e bactérias indesejadas.

Fungos benéficos para compostagem

  • Trichoderma harzianum: Trichoderma é um gênero de fungos filamentosos extremamente útil na agricultura, tanto que muitas formulações comerciais de biofungicidas e biofertilizantes o utilizam. Na compostagem, Trichoderma harzianum e outras espécies (como T. asperellum, T. viride) atuam como potentes decompositores de matéria orgânica, graças à produção de enzimas como celulases e xilanases que degradam rapidamente fibras vegetais, restos de culturas e material lenhoso. A introdução de Trichoderma na pilha pode acelerar a decomposição de celulose e lignina de forma notável, especialmente em substratos fibrosos. Em testes, inocular Trichoderma (junto a outros organismos) resultou em maior taxa de degradação de celulose, hemicelulose e lignina, encurtando significativamente o processo e produzindo um composto mais maduro. Há casos em que consórcios contendo Trichoderma reduziram o período de compostagem em cerca de quatro semanas em comparação ao método convencional. Além do efeito decompositor, Trichoderma traz o benefício de controle biológico: é antagonista a vários fungos patogênicos (como Sclerotinia, Rhizoctonia, Fusarium), competindo por espaço e nutrientes e liberando metabólitos inibidores. Um composto inoculado com T. harzianum tende a desenvolver supressividade, ou seja, ao ser aplicado no solo, ajuda a prevenir doenças de plantas. Pesquisas da Embrapa mostram que para garantir boa sobrevivência de T. harzianum no composto é preciso atenção à umidade (em torno de 27% foi ideal para este fungo). No mercado, existem aceleradores de compostagem à base de Trichoderma – em geral contendo concentrações altas de conídios (esporos) – evidenciando sua eficácia. Por exemplo, formulações comerciais combinando Trichoderma com nutrientes (aminoácidos, prebióticos) afirmam ativar a microbiota e acelerar a decomposição da matéria orgânica, além de produzir substâncias promotoras de crescimento vegetal durante o processo. Em suma, Trichoderma é um “faz-tudo” na compostagem biológica: decompõe, equilibra a microbiota e agrega controle de patógenos.
  • Aspergillus niger (e outros Aspergillus): Fungos do gênero Aspergillus são ubiquamente encontrados em pilhas de compostagem, pois toleram condições adversas e crescem rápido sobre matéria orgânica. A. niger, em particular, produz uma variedade de enzimas (pectinases, amilases, celulases) capazes de degradar compostos de plantas, incluindo carboidratos complexos presentes em cascas, frutos e materiais fibrosos. Por isso, cepas de Aspergillus têm sido utilizadas em inoculantes para acelerar a decomposição de resíduos agroindustriais. A. niger costuma atuar bem em faixas de temperatura mesófila a termotolerante e pode seguir ativo mesmo quando a pilha começa a secar (são relativamente resistentes à baixa umidade). Inóculos multi-microbianos eficientes frequentemente incluem Aspergillus entre os componentes fúngicos: por exemplo, em um estudo foi aplicado um consórcio contendo Aspergillus, Azotobacter, Bacillus, Cellulomonas, Chaetomium, Trichoderma, entre outros, e observou-se uma redução do tempo de compostagem de 9 para 5 semanas. Em outro trabalho, um inoculante fúngico composto com Aspergillus nidulans, Trichoderma viride, Phanerochaete chrysosporium e A. awamori acelerou a compostagem de resíduos orgânicos, obtendo um composto maduro em apenas 60 dias. Esses resultados destacam que Aspergillus, atuando em conjunto com outros microrganismos eficientes, potencializa a decomposição e ajuda a atingir a maturidade do composto mais rápido. Em termos práticos, A. niger pode ser introduzido via inoculantes comerciais de fungos ou mesmo polvilhando um pouco de composto velho bem curtido (que costuma conter colônias de Aspergillus visíveis como manchas pretas). Vale notar que, assim como Trichoderma, Aspergillus também contribui para um composto sanitizado – a alta temperatura que ajuda a manter e sua ação antagonista limitam patógenos.
  • Fungos de podridão-branca (ex.: Phanerochaete chrysosporium): Além dos fungos já citados, merece menção o grupo dos basidiomicetos decompositores de lignina, chamados de “fungos da podridão branca”. Esses organismos (como Phanerochaete, Trametes, Pleurotus, etc.) produzem enzimas únicas, as ligninases, que conseguem degradar a lignina – componente da parede celular lenhosa notoriamente difícil de quebrar. Em compostagem de materiais ricos em lignina (palhadas, bagaço, serragem), inocular um fungo de podridão-branca pode fazer enorme diferença na qualidade do composto final, tornando-o mais homogêneo e liberando nutrientes presos na fração lenhosa. Estudos indicam que a inoculação com fungos ligninolíticos é uma estratégia útil para melhorar as propriedades do composto final (aumentando seu grau de humificação) e acelerar a degradação de resíduos resistentes. Phanerochaete chrysosporium, por exemplo, tem sido pesquisada como inoculante para compostagem de resíduos urbanos e agrícolas, demonstrando eficiência em reduzir compostos recalcitrantes. A dificuldade destes fungos é que geralmente precisam de condições específicas (boa aeração, umidade moderada e substrato previamente colonizado por fungos mais simples). Contudo, novas técnicas buscam incorporá-los via pré-compostagem ou co-inoculação. Em consórcio com outros microrganismos, fungos de podridão-branca já mostraram melhorar a eficiência do processo – como citado, Phanerochaete tem sido combinada com Trichoderma e bactérias em consórcios bem-sucedidos. Assim, para produtores que compostam materiais lenhosos, a inclusão de um fungo degradador de lignina pode resultar em um composto mais fino, escuro e estabilizado, com elevada qualidade de húmus.

Como aplicar os insumos biológicos na compostagem

A efetividade dos inoculantes biológicos na compostagem depende não apenas da escolha dos microrganismos, mas também de quando e como eles são aplicados. Seguir boas práticas de aplicação garante que as bactérias e fungos benéficos colonizem a leira e expressem seu potencial. Abaixo, listamos orientações sobre o momento ideal, forma de incorporação, doses e condições ambientais para uso dos biológicos:

  • Aplicação inicial (montagem da leira): O primeiro momento crucial para introduzir os microrganismos é na formação da pilha de compostagem. Recomenda-se misturar o inoculante aos materiais orgânicos logo na montagem, garantindo uma distribuição homogênea. Isso pode ser feito diluindo produtos líquidos ou em pó em água não clorada e irrigando uniformemente cada camada da leira, ou polvilhando e misturando bem no caso de inoculantes em pó. Aplicar no início permite que as bactérias e fungos benéficos colonizem a matéria-prima antes da microbiota nativa, saindo na frente na competição. No caso de esterco de curral, cama de aviário ou resíduos muito contaminados, essa inoculação inicial é ainda mais importante para direcionar o processo desde o começo. Muitos fabricantes recomendam a aplicação no momento da montagem; por exemplo, em um estudo com cama de frango, metade da dose do inoculante foi aplicada ao montar as leiras. Assim, incorpore os biológicos desde o início da pilha para aproveitar todo o período de decomposição.
  • Reaplicações durante as revoltas: Como a compostagem é um processo dinâmico (temperatura sobe e desce, umidade varia, alguns microrganismos podem morrer nas fases quentes), é benéfico realizar reaplicações periódicas dos inoculantes. O momento oportuno para reforços é durante as revoltas da pilha – aquelas viradas que são feitas para aerar e remexer o material, geralmente a cada 1 ou 2 semanas. Ao revirar, aproveite para borrifar novamente a solução com os microrganismos ou adicionar mais pó inoculante, assim eles serão redistribuídos e repovoarão partes da pilha que já possam estar com populações reduzidas. No experimento citado, a outra metade da dose do inoculante foi aplicada 15 dias após a montagem, junto com a primeira revirada. Esse parcelamento (50% no início, 50% na primeira revolta) se mostrou eficaz para manter alta atividade microbiana. Em compostagens mais longas, pode-se considerar reaplicar também em revoltas subsequentes (por exemplo, 30 ou 45 dias depois), especialmente se o material ainda exibir muita fração não decomposta. Lembre-se: cada adição eleva a população dos “bons” numa fase diferente, potencializando a degradação em todas as etapas.
  • Dosagem correta: A quantidade de inoculante a utilizar varia conforme o produto (cada formulação tem uma concentração de células ou esporos) e o tipo de resíduo. É fundamental seguir a recomendação do fabricante ou protocolos de pesquisa para não subdosar (ineficiente) nem superdosar (desperdício). Como referência, no caso dos EM líquidos caseiros, costuma-se aplicar na faixa de 5 litros de inoculante ativado por tonelada de material orgânico, diluídos em água para garantir boa cobertura. Essa dose foi justamente a empregada no tratamento de cama de frango mencionado, com bons resultados. Para produtos comerciais concentrados (pó-molhável ou líquido concentrado), as doses podem ser bem menores – por exemplo, 100 gramas de pó por tonelada, ou alguns mL por metro cúbico, dependendo do título de unidades formadoras de colônia (UFC). É válido agitar bem a solução antes de aplicar, para evitar deposição de microrganismos no fundo do recipiente, e manter a proporção indicada para a área/volume do seu monte de composto. Doses corretas asseguram que uma quantidade suficiente de microrganismos benéficos entre em ação, colonizando todo o material. Por outro lado, excesso de inoculante não acelera proporcionalmente além de um ponto, pois há limite de substrato e de competição – portanto, foque na dose recomendada e em aplicar uniformemente.
  • Umidade ideal: Água é vida – e para os microrganismos decompositores isso não é diferente. Manter a umidade ideal do material compostado é crítico para o sucesso dos bioinoculantes. Em geral, a faixa ótima de umidade da pilha fica entre 50% e 60% (quando ao apertar com a mão, o material libera umas gotas). Se a pilha estiver muito seca, a atividade microbiana despenca; se encharcada, faltará ar e predominarão micróbios indesejados (anaeróbios). Ao usar insumos biológicos, atenção redobrada: garanta que a leira permaneça úmida, porém aerada, ao longo do processo. Pesquisas da Embrapa evidenciaram que diferentes organismos têm preferências distintas de umidade – por exemplo, o fungo T. harzianum teve sobrevivência máxima em torno de 27,5% de umidade, enquanto o B. subtilis prosperou com 45% ou mais. Na prática, isso indica que, para se beneficiar de ambos (fungos e bactérias), trabalhar em torno de ~40-55% de umidade é um meio-termo favorável à maioria. A lição principal é: monitorar e ajustar a umidade. Se a pilha estiver seca (abaixo de 40%), regue com água ou biofertilizante; se muito úmida (acima de 65%, escorrendo líquido), adicione matéria seca (palha, serragem) e revolva para arejar. Um teor de umidade controlado cria condições para que os microrganismos inoculados se multipliquem e realizem sua função decompositora plenamente.
  • Aeração e temperatura: Os consórcios biológicos introduzidos são em sua maioria aeróbios, necessitando de oxigênio. Portanto, manejar bem a aeração da pilha é indispensável. Revolva o composto periodicamente (manual ou mecanicamente) para repor ar nos poros do material e evitar zonas anaeróbias. Isso também redistribui calor e microrganismos. Falando em calor, a temperatura da compostagem naturalmente sobe devido à atividade microbiana; as espécies inoculadas terão desempenhos diferentes conforme a fase térmica. Bactérias mesofílicas atuam até ~40°C; termofílicas (como alguns Bacillus e actinomicetos) prosperam de 50–70°C; fungos meso/termotolerantes como Trichoderma preferem abaixo de ~45–50°C; já fungos de podridão-branca e leveduras atuam melhor <40°C. Diante disso, uma dica avançada é sincronizar certos inoculantes com as fases: por exemplo, aplicar microrganismos “desodorizantes” (lactobacilos) no início frio, bactérias celulolíticas após a fase termofílica, e fungos ligninolíticos na fase de cura. Esse esquema de inoculação em múltiplas etapas rendeu melhores resultados de degradação e humificação em pesquisa recente. Porém, mesmo sem tanta precisão, assegurar que a pilha atinja a fase termofílica (acima de 55°C por alguns dias) e depois esfrie gradualmente já cria o ambiente para as diferentes espécies atuarem na sua vez. O importante é não deixar a pilha “apagar” (perder totalmente o calor e a atividade) precocemente – se isso ocorrer, pode ser sinal de falta de umidade ou aeração, que devem ser corrigidas. Mantenha os parâmetros controlados e os microrganismos inoculados farão o resto.

Resultados esperados com o uso de biológicos na compostagem

Quando aplicada corretamente, a técnica de inocular microrganismos benéficos traz uma série de resultados positivos comprovados por pesquisas:

  • Maior rapidez na decomposição: O ganho de velocidade é o benefício mais imediato. Com os decompositores certos, o tempo total de compostagem pode ser reduzido em 20–50% comparado ao método tradicional. Vários estudos documentam essa aceleração: por exemplo, cepas de Bacillus adicionadas a restos vegetais encurtaram o processo em cerca de 40%. Consórcios mais abrangentes com fungos e bactérias eficientes chegaram a reduzir pela metade a duração necessária, como no caso de um inoculante que abaixou de 63 dias para 35 dias o tempo para maturar um composto. Na prática, isso significa que um composto que antes demorava 3 meses pode ficar pronto em 1,5–2 meses sob condições otimizadas. Essa agilidade permite rotacionar mais rapidamente as leiras, produzir mais composto por ano e atender demandas sazonais de adubação. Para o produtor, é economia de espaço e agilidade na obtenção de adubo orgânico.
  • Aumento da temperatura e sanitização: A inoculação adequada tende a intensificar a atividade metabólica, elevando e prolongando a fase termofílica. Com isso, as pilhas atingem temperaturas acima de 55–60°C por mais tempo, contribuindo para eliminar sementes de plantas daninhas, insetos e patógenos. Em um estudo, a adição de Bacillus subtilis juntamente com um fungo termofílico Chaetomium resultou em duração termofílica significativamente maior que o controle. Já outra pesquisa mostrou que inóculos microbianos estenderam o período de alta temperatura e mantiveram a pilha quente por mais tempo ao aumentar a atividade enzimática interna. Esse efeito é desejável pois acelera reações químicas e ao mesmo tempo pasteuriza o material, garantindo um composto sanitariamente seguro. Portanto, compostagens inoculadas costumam apresentar um bom pico térmico e manutenção de calor, sinal de um processo vigoroso.
  • Maior degradação da matéria orgânica (maturidade): Com microrganismos extras trabalhando, obtém-se uma decomposição mais completa dos resíduos. Isso se reflete em indicadores clássicos de qualidade do composto: queda acentuada da relação C/N, redução do teor de carbono orgânico e aumento do grau de humificação. Por exemplo, no uso de Bacillus citado, o composto inoculado terminou com C/N muito menor que o não inoculado, indicando maior conversão de matéria orgânica crua em húmus. Em outro caso, nas pilhas de cama de frango, a inoculação resultou em C/N final de ~15:1 enquanto a pilha controle mal chegou a 18:1 no mesmo período – e em pilha de pura cama, o inoculante reduziu C/N para 19 enquanto sem ele ficou em 80, evidenciando que sem os microrganismos o material praticamente não compostou. Também são relatados teores mais altos de ácidos húmicos e fúlvicos nos compostos tratados, graças à ação de actinomicetos e fungos humificadores que são introduzidos. Em suma, o produto final tende a ser mais estável e maduro, apto a ser usado no solo sem causar fitotoxidez.
  • Retenção superior de nutrientes: Uma preocupação na compostagem é a perda de nutrientes (especialmente nitrogênio) por volatilização ou lixiviação. O uso de biológicos pode mitigar isso. Como citado, Bacillus e Azotobacter ajudam a manter nitrogênio na forma amoniacal durante o processo, em vez de deixar que todo amônio se converta em nitrato (que poderia ser perdido). Pesquisadores observaram aumento de N total e N disponível em compostos inoculados na comparação com compostos comuns. Fixadores de nitrogênio contribuem adicionando N novo (via fixação biológica de N₂ do ar) e disponibilizando-o conforme os organismos morrem e liberam seu conteúdo. Fungos solubilizadores liberam fósforo e micronutrientes de partes insolúveis do resíduo. O resultado é um composto com maior valor fertilizante: mais nitrogênio, fósforo assimilável e potássio retido. Por exemplo, no estudo de Bacillus, o composto tratado apresentou teores significativamente superiores de N, P e K em relação ao controle. Em termos práticos, isso pode significar reduzir a necessidade de complemento de adubos minerais, já que o composto enriquecido supre melhor os requerimentos das plantas.
  • Composto mais uniforme e com melhor estrutura: A ação intensiva dos microrganismos tende a fragmentar e consumir a matéria orgânica de forma mais homogênea. Assim, o composto final sai mais fino, escuro e com textura farelenta – características de um bom húmus. Inoculantes que estimulam atividade celulolítica e ligninolítica produzem enzimas que quebram fibras, resultando em um material menos fibroso. Estudos reportam também maior produção de polissacarídeos microbianos que atuam como agente cimentante de partículas, melhorando a agregação do composto. Isso significa menos pó ou torrões e mais grumos estáveis. Além disso, a população microbiana abundante recobre as partículas orgânicas, impedindo re-colonização por organismos indesejáveis pós-compostagem. De modo geral, usuários de biocompostos percebem um aspecto visual e táctil de melhor qualidade – cor de terra escura, cheiro agradável de solo (graças aos actinomicetos) e ausência de pedaços inteiros de palha ou esterco, pois tudo foi bem decomposto.
  • Supressividade a patógenos e pragas: Um efeito notável de compostos produzidos com certos biológicos é a aquisição de propriedades supressivas – ou seja, o composto passa a inibir a ocorrência de doenças de plantas quando incorporado ao solo. Isso se deve à presença de altas populações de agentes de biocontrole como Trichoderma, Bacillus, Streptomyces, entre outros, que ao serem levados ao campo colonizam a rizosfera e competem ou antagonizam patógenos do solo. Para se alcançar essa supressividade, deve-se cuidar para que tais microrganismos benéficos sobrevivam no composto. Como citado, fatores como umidade influenciam a sobrevivência (Ex.: T. harzianum prefere ~27% e B. subtilis >45% de umidade). Um estudo da Embrapa evidenciou que controlar a umidade do composto de modo adequado pode eliminar a fungistase e bacteriostase, permitindo que os agentes biocontroladores se multipliquem. O resultado é um composto populado por microorganismos protetores. Na prática agrícola, já se observou redução de incidência de fungos do solo e nematoides em áreas que receberam composto inoculado com antagonistas, em comparação com composto comum. Portanto, um benefício agregado do uso de insumos biológicos é obter um composto com efeito de “proteção de plantas”, funcionando não só como adubo mas também como uma medida fitossanitária preventiva natural.
  • Melhor desempenho das plantas adubadas: Por fim, o objetivo de todo esse esforço é produzir um composto que promova maior produtividade e saúde das culturas. E os resultados de pesquisa indicam justamente isso. Como mencionado, compostos enriquecidos elevaram a colonização micorrízica e as produtividades de milho e trigo em testes de campo. Outros trabalhos relatam melhorias no crescimento inicial de mudas e no desenvolvimento radicular quando se utiliza composto bioinoculado em comparação a composto convencional. Isso acontece porque o composto carrega microrganismos promotores de crescimento (PGPR) que, ao se associar às plantas, estimulam o desenvolvimento através de diversos mecanismos (produção de hormônios, solubilização de nutrientes, indução de resistência sistêmica, etc.). Além disso, o maior teor de nutrientes e a presença de ácidos húmicos no composto tratado melhoram a fertilidade do solo e a absorção de nutrientes. Em suma, o produtor pode esperar plantas mais vigorosas e produtivas ao adotar compostagem com insumos biológicos – é um retorno direto em produtividade pela melhoria da qualidade do composto.

Conclusão

A incorporação de insumos biológicos na compostagem representa uma inovação acessível e eficaz para o manejo de resíduos orgânicos na agricultura. Selecionando e aplicando adequadamente bactérias e fungos benéficos, é possível acelerar o processo compostagem, aumentar a estabilidade e riqueza do adubo produzido e ainda conferir propriedades adicionais como supressão de doenças. Este artigo apresentou os principais microrganismos utilizados – desde Bacillus e Azotobacter até Trichoderma e Aspergillus – detalhando seus benefícios e orientando sua aplicação (momento, forma, dose e condições). Com base em evidências científicas atuais, constatamos que a compostagem biológica traz ganhos significativos: ciclos mais curtos, compostos mais nutritivos e efeitos agronômicos positivos nas lavouras. Para o agrônomo ou produtor rural, trata-se de uma tecnologia viável de ser adotada, alinhada aos preceitos da sustentabilidade e da economia circular no campo.

Em resumo, se o objetivo é “como melhorar a compostagem”, os insumos biológicos oferecem um caminho promissor. Comece em pequena escala, teste diferentes inoculantes (há produtos comerciais e receitas de EM disponíveis) e ajuste as práticas conforme sua realidade. Os resultados tendem a aparecer em forma de pilhas fumegantes decompondo-se a olhos vistos e de um composto final de alta qualidade, pronto para turbinar a fertilidade do solo. Com conhecimento técnico e cuidado no manejo, a união entre compostagem tradicional e biotecnologia microbiana pode render um adubo orgânico superior, beneficiando tanto a produtividade agrícola quanto o meio ambiente.