Priestia aryabhattai: nematoides, seca e calor sob controle
A cultura da soja enfrenta desafios crescentes com pragas de solo e condições climáticas adversas. Nematoides parasitas causam grandes prejuízos nas raízes, enquanto estresses abióticos como deficiência hídrica (seca) e temperaturas elevadas reduzem o rendimento das lavouras. Nesse contexto, soluções biológicas sustentáveis vêm ganhando destaque. Uma delas é a bactéria Priestia aryabhattai, uma rizobactéria promissora que atua no controle biológico de nematoides e auxilia a planta a suportar estresse hídrico e térmico. A seguir, entenda como essa bactéria pode se tornar aliada de agrônomos e produtores na proteção da soja e conheça sua origem e classificação.
Controle de Nematoides na Soja
Os nematoides são considerados importantes fitoparasitas da soja, capazes de infestar as raízes e prejudicar o desenvolvimento das plantas. O nematoide de cisto da soja (Heterodera glycines), por exemplo, é apontado como uma das principais causas de perdas na cultura em nível mundial. Tradicionalmente, o controle desses vermes microscópicos depende de nematicidas químicos, que podem ser caros e ambientalmente agressivos. Por isso, estudos têm buscado agentes biológicos de controle, como bactérias do gênero Bacillus/Priestia, visando combater os nematoides de forma sustentável e segura para o meio ambiente.
Pesquisas recentes demonstram que Priestia aryabhattai (anteriormente conhecida como Bacillus aryabhattai) possui atividade nematicida significativa. Cepas desta bactéria exibem forte antagonismo contra nematoides, atacando diferentes fases do ciclo de vida do patógeno. Em laboratório, P. aryabhattai produziu metabólitos que letalmente afetam os juvenis (larvas) do nematoide e inibem a eclosão de ovos, reduzindo drasticamente a população dessas pragas[1]. Mecanismos de ação incluem a síntese de enzimas que degradam a parede celular dos ovos de nematoides, dificultando sua sobrevivência, bem como a competição por recursos na rizosfera[2]. Ou seja, ao colonizar o sistema radicular, a bactéria disputa espaço e nutrientes com os nematoides e libera enzimas que destroem os ovos, quebrando o ciclo de vida do parasita. Esses mecanismos combinados auxiliam as plantas a lidarem de maneira mais eficiente com a infestação nematódica.
Os resultados obtidos em condições de cultivo são animadores. Em experimentos de casa de vegetação e campo, o tratamento de sementes de soja com P. aryabhattai resultou em redução superior a 60% no número de cistos de nematoide no solo, além de mais de 70% menos larvas parasitárias dentro das raízes, em comparação a plantas não tratadas[3]. Importante destacar que essa diminuição na carga de nematoides foi alcançada sem afetar negativamente o crescimento ou a produtividade da soja. Além do nematoide de cisto, a P. aryabhattai mostrou eficácia contra nematoides de galha (Meloidogyne spp.), comuns em diversas culturas. Um estudo apontou que a inoculação de B. aryabhattai (sin. P. aryabhattai) foi eficiente no controle de Meloidogyne javanica, reduzindo a infecção de plantas hospedeiras[4]. Comprovou-se, portanto, o potencial dessa bactéria atuar como agente de biocontrole de diferentes nematoides que atacam a soja.
Em suma, a utilização de Priestia aryabhattai nas lavouras de soja pode proteger as raízes contra os nematoides de forma natural. Ao diminuir a população dessas pragas no solo, a bactéria contribui para raízes mais saudáveis, melhor absorção de nutrientes e água, e consequentemente plantas mais vigorosas. Trata-se de uma estratégia de controle biológico que se alinha às práticas de manejo integrado de pragas, reduzindo a dependência de químicos e promovendo a sustentabilidade na produção de soja.
Proteção contra Estresse Hídrico e Altas Temperaturas
Além de pragas, fatores climáticos extremos desafiam a cultura da soja. Períodos de estiagem prolongada (seca) e ondas de calor intenso podem causar murcha, abortamento de flores e queda na produtividade. A Priestia aryabhattai destaca-se também por conferir às plantas uma maior resiliência a esses estresses abióticos. Diversos estudos indicam que a colonização das raízes por essa bactéria benéfica ajuda a soja a tolerar melhor a falta de água e as temperaturas elevadas.
Um dos segredos está na interação da P. aryabhattai com o sistema radicular sob condições de déficit hídrico. Quando a bactéria coloniza raízes de plantas sob seca, ela produz exopolissacarídeos, polímeros que atuam como uma espécie de gel hidratante ao redor das raízes[5]. Esses exopolissacarídeos auxiliam em reter a umidade no entorno da raiz, mantendo os tecidos radiculares hidratados por mais tempo. Com raízes mais hidratadas, as plantas conseguem manter um conteúdo relativo de água mais alto nos seus tecidos e sofrem menos os efeitos da seca[5]. Por exemplo, em testes com milho sob estresse hídrico, plantas co-inoculadas com uma cepa de B. aryabhattai apresentaram um conteúdo de água 32% maior em comparação às plantas sem a bactéria[6] – um indicativo claro da melhoria na hidratação e vigor proporcionada pela ação bacteriana.
Além de manter a planta hidratada, Priestia aryabhattai estimula respostas fisiológicas que aumentam a tolerância ao estresse. Essa rizobactéria pode modular os fitohormônios da planta, como o ácido abscísico (ABA) e o ácido jasmônico (AJ), que estão ligados às vias de resposta a seca e calor[7]. Em condições de calor excessivo, por exemplo, verificou-se que plantas de soja inoculadas com B. aryabhattai mantiveram níveis estáveis de ABA, hormônio que promove o fechamento dos estômatos para reduzir a perda de água[8]. Com estômatos parcialmente fechados e maior regulação hormonal, essas plantas perdem menos água por transpiração e conseguem evitar danos severos durante ondas de calor. No mesmo experimento, as sojas tratadas desenvolveram raízes e parte aérea mais alongadas, refletindo um crescimento superior mesmo sob temperatura alta, em comparação às plantas não inoculadas[8]. Isso indica que a bactéria não só protege contra o estresse, mas também continua promovendo o desenvolvimento vegetal em ambiente adverso.
Outra evidência dos benefícios de P. aryabhattai sob estresse hídrico vem de análises bioquímicas em plantas submetidas à seca. Plantas inoculadas tendem a apresentar menores níveis de marcadores de estresse oxidativo, como espécies reativas de oxigênio e enzimas antioxidantes, em relação às plantas não inoculadas[9]. Em um estudo com feijoeiro comum, a aplicação da bactéria reduziu significativamente a produção de peróxido de hidrogênio (H₂O₂) e malonaldeído (MDA, um indicador de dano oxidativo), sugerindo que as plantas estavam menos estressadas e sofrendo menos danos em nível celular[10]. Além disso, essas plantas mantiveram sua biomassa e taxa de crescimento próximo do normal durante o período de seca, evidenciando uma mitigação efetiva do estresse hídrico.
De maneira geral, ao melhorar a retenção de água nas raízes, ajustar o equilíbrio hormonal da planta e diminuir os efeitos nocivos do estresse oxidativo, Priestia aryabhattai funciona como um “escudo” para a soja enfrentar seca e calor. Produtores que incorporarem essa bactéria como bioinsumo poderão ver suas lavouras mais tolerantes às variações climáticas, com menor risco de perdas em safras marcadas por estiagens ou temperaturas acima do ideal.
Descoberta e Classificação de Priestia aryabhattai
O micro-organismo hoje conhecido como Priestia aryabhattai foi descoberto relativamente há pouco tempo. A primeira vez que essa bactéria foi isolada e identificada ocorreu em 2009, por uma equipe de cientistas liderada por S. Shivaji[11]. Curiosamente, o isolamento inicial não veio de amostras de solo agrícola, mas sim do alto da atmosfera. Os pesquisadores coletaram amostras de ar da estratosfera, a cerca de 30 km de altitude, e encontraram ali bactérias viáveis – entre elas uma espécie até então desconhecida, que receberam o nome de Bacillus aryabhattai. O nome homenageia Aryabhata, um famoso astrônomo indiano do século V d.C. (e também o nome do primeiro satélite da Índia)[12][13]. Essa escolha ressalta a origem inusitada da bactéria, descoberta em um experimento ligado à pesquisa espacial.
Originalmente, portanto, a espécie foi descrita como Bacillus aryabhattai, pertencente ao amplo gênero Bacillus. Nos anos seguintes à descoberta, novos isolamentos dessa bactéria ocorreram em diversos ambientes terrestres. Cepas de B. aryabhattai foram encontradas em solos agrícolas (por exemplo, em plantações de cana-de-açúcar e arroz na Ásia), em rizosferas de plantas silvestres e até em solos de florestas densas[14]. No Brasil, pesquisadores isolaram a bactéria na rizosfera do mandacaru (Cereus jamacaru), um cacto nativo da região semiárida da Caatinga[15]. Essa ocorrência em uma planta adaptada à seca reforça a ideia de que a P. aryabhattai possui características de tolerância a ambientes áridos, como discutido na seção anterior.
Com os avanços da taxonomia bacteriana, a classificação dessa espécie sofreu revisões. O gênero Bacillus é muito diversificado, e estudos genômicos recentes propuseram dividi-lo em vários gêneros novos para refletir melhor as relações evolutivas. Foi nesse contexto que, em 2020, cientistas atualizaram a posição taxonômica do Bacillus aryabhattai, realocando-o no gênero Priestia[16]. Assim, o nome válido atual passou a ser Priestia aryabhattai (Shivaji et al. 2009), em referência ao trabalho original de 2009 e à publicação da reclassificação por Gupta e colegas em 2020. Em outras palavras, Bacillus aryabhattai tornou-se um sinônimo homotípico – isto é, o mesmo organismo conhecido por dois nomes – sendo Priestia aryabhattai a denominação correta vigente. Vale mencionar que durante as revisões taxonômicas houve debate se essa espécie seria na verdade idêntica a Bacillus megaterium (uma espécie já conhecida). Porém, análises genômicas detalhadas confirmaram que P. aryabhattai possui identidade própria, distinta de B. megaterium, justificando sua manutenção como espécie separada[17].
Em termos de características, Priestia aryabhattai é uma bactéria Gram-positiva em forma de bastonete (bacilo), formadora de endósporos – traços comuns às bactérias do antigo gênero Bacillus. Ela vive principalmente no solo e na rizosfera (a região ao redor das raízes das plantas), estabelecendo ali uma relação benéfica com as culturas agrícolas. Por não causar doença e ao contrário trazer benefícios, é classificada como organismo de Risco Biológico 1, ou seja, seguro para uso em aplicações biotecnológicas agrícolas[18]. Seu genoma já foi sequenciado em diferentes cepas, revelando genes que explicam seu comportamento promotor de crescimento e tolerante a estresses[19][20].
Priestia aryabhattai desponta, assim, como um exemplo de inovação derivada da microbiologia para uso na agricultura. Desde sua descoberta incomum nas alturas da atmosfera até a atual aplicação no solo das lavouras, esta bactéria percorreu um caminho científico notável. Hoje, agrônomos veem nela uma aliada valiosa: seja no controle biológico de nematoides, seja no fortalecimento das plantas contra seca e calor. Com embasamento em pesquisas científicas atualizadas e preocupação ambiental, o uso de P. aryabhattai integra a tendência de soluções biológicas sustentáveis para os desafios da sojicultura moderna. Em um cenário de mudanças climáticas e demanda por produção mais limpa, abordagens que unem produtividade e sustentabilidade, como a inoculação dessa rizobactéria, tendem a ganhar cada vez mais espaço no campo.
[1] [3] Evaluation of Bacillus aryabhattai Sneb517 for control of Heterodera glycines in soybean | Request PDF
[2] [4] [5] [6] [7] [15] Bacillus aryabhattai: conheça este microrganismo e seus benefícios para a agricultura
[8] Bacillus aryabhattai SRB02 tolerates oxidative and nitrosative stress and promotes the growth of soybean by modulating the production of phytohormones | PLOS One
[9] [10] Biochemical and Plant Growth Response of the Common Bean to Bioinput Application Under a Drought Stress Period
[11] [12] [13] [16] [17] [18] Species: Bacillus aryabhattai
[14] [19] [20] Frontiers | Genome-Guided Insights into the Plant Growth Promotion Capabilities of the Physiologically Versatile Bacillus aryabhattai Strain AB211
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